25 de fevereiro de 2021

Days of Ire: Ep. 5 - Juntei-me à revolução!

 


“De acordo com o Artigo 34 da Carta, os Governos de França, do Reino-Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, e dos Estados Unidos da América, solicitam a inclusão, na agenda do Conselho de Segurança, de um ponto intitulado “A situação na Hungria”, e solicitam ainda que convoque uma reunião urgente do Conselho de Segurança para apreciação deste ponto.”
[Tradução] Carta ao Presidente do Conselho de Segurança, 27 de outubro de 1956


Foi uma noite agitada. Éramos mais de 2000, juntos no encontro na Universidade, e quando a razão para a permanência das trocas soviéticas na Hungria foi questionada, o ambiente começou a mudar. Sentindo-nos com poder, o nosso foco transferiu-se das questões estudantis para a democracia e verdadeira independência.  Pouco depois estávamos a redigir as nossas exigências!


Kedd, Október 23




Há notícias recentes. Tanques e milícias foram avistados nas ruas. Há também relatos, dispersos por Budapeste, de disparos de atiradores furtivos.

Ficámos a saber que Zhukov tinha ordenado às forças soviéticas que ocupassem o centro da cidade. Duas unidades blindadas foram detetadas perto da Passagem Corvin e da Estátua de Bem. Mas cresce o apoio popular às nossas ações, dissipando as dúvidas iniciais, e o nosso moral é reforçado. Ouvimos agora dizer que Imre Nagy regressou ao poder! Entretanto, as multidões queimam propaganda, sinal de que a guerra da informação está ao rubro.

Deixei a Universidade e caminhei ao longo do Danúbio, em direção à Estátua de Bem, carregando comigo algumas “garrafas”.




À chegada encontrei-me com Júlia e, de facto, ali estava um tanque enorme no meio da rua, ameaçando a multidão. Assim que chegámos, abriu fogo! Tivemos sorte em não ser atingidos. Não era um momento para segundos pensamentos, era um momento para ajustar contas.

Tínhamos ambos cocktails Molotof nas mãos, aproximámo-nos tanto quanto possível, e lançámos os cocktails para o tanque, que ficou em chamas. Apenas nessa altura tomámos consciência, pela primeira vez, que até as todo poderosas forças soviéticas poderiam ser derrotadas nas nossas ruas, com pouco mais do que mãos nuas!

De seguida, ainda a tremer, dirigimo-nos juntos à Praça Széna, onde Marta Wawelska, uma amiga comum, se juntou a nós, também ela pronta para caçar tanques.

Mas a milícia e os atiradores furtivos andavam à nossa procura, depois da nossa ação em Bem. Mais uma vez escapámos ilesos. Não sei por quanto tempo conseguiremos evitar as balas…


Szerda, Október 24 

Foi imposto o recolher obrigatório, mas não seria isso que nos iria parar. Tínhamos apenas de encontrar novas formas de nos deslocar. Inesperadamente, algumas unidades de milícia retiraram, dando a entender que existiria confusão e hesitações nos seus líderes. Talvez fosse possível pressionar um pouco mais, quem sabe, e elas depusessem as armas.

Num ato de desobediência, cantava-se o hino nacional junto à Estátua de Bem. Imre, que se encontrava no local, aderiu de imediato à nossa fação. Daria jeito para angariar provisões. 

Quase na mesma altura, István Kopasz aderiu ao movimento, na Universidade, contribuindo com o seu à-vontade com armas ligeiras e munições.

Enquanto Péter Veres lia o manifesto, em público, István juntou-se a nós na Praça Széna, e Júlia e Marta dirigiam-se para Kossuth, em busca de tanques soviéticos.

Os nossos números aumentavam constantemente, as nossas capacidades diversificavam-se, e podíamos sentir o crescente apoio popular.




No momento em que a milícia invadiu a praça, István abriu fogo e atingiu dois deles. Não poderia ter chegado em melhor altura, mas temíamos que a situação pudesse entrar numa espiral descontrolada, provocando inúmeros mortos e feridos, muitos dos quais seriam companheiros civis. No entanto, todos sentíamos que já não era possível voltar atrás.




Havia pessoal médico em Széna, tratando feridos sem cuidar de saber de que lado estavam, qual a sua nacionalidade ou uniforme, e arriscando a vida ao fazê-lo. Um médico tinha acabado de ser ferido por tiros disparados indiscriminadamente.

Tempo de continuar a andar, pois é má ideia ficar demasiado tempo no mesmo sítio. István e eu voltámos à Estátua de Bem, onde se encontrava Imre, e os três fomos até à Praça Kossuth. Júlia e Marta já lá estavam e tinham assinalado mais um tanque soviético a abater.

O vento soprava de feição e, pelo segundo dia seguinte, estoiramos com um tanque, mais uma vez sem quaisquer baixas do nosso lado.




No entanto, o maior perigo do momento não provinha dos tanques imóveis nas ruas, mas dos atiradores furtivos escondidos nos edifícios mais altos. 

As nossas ações violentas não passavam despercebidas e, de alguma forma, tinham conseguido localizar-nos. Umas tangentes, até ser atingido. Apenas duas feridas superficiais, mas que tiveram o condão de afetar o moral. Sabíamos quão depressa tudo poderia acabar…


Csütörtök, Október 25 

Boas notícias vindas do exterior! Parece que havia algum envolvimento da CIA por aí. Será que os Americanos, finalmente, vão fornecer apoio a sério no terreno, armas, abastecimentos, informação? Isso poderia mudar, de vez, a maré a nosso favor.

Decidimos, entretanto, ir ao Astoria, onde se nos juntou Valéria Pille. Era altura de reunir uma equipa e atacar de novo.

Assim, fomos uma vez mais à Universidade, onde Imre iria ficar algum tempo, organizando mais uma fornada de abastecimentos. Sabíamos poder contar sempre com o apoio dos nossos colegas estudantes, e continuamos também a insistir para que as nossas exigências fossem escutadas.

Valéria convidou Margit para vir connosco, e os três partimos em busca de blindados, desta vez indo por Csepel.

Houve disparos da Milícia, quer em Csepel quer na Universidade, mas sem consequências.


Penték, Október 26 

A situação geral continuava indefinida. Por um lado, parecia haver divisões no campo soviético, em que uns não eram a favor da intervenção militar e buscavam outro tipo de solução. Por outro lado, os blindados estavam mais ativos do que nunca no terreno, provavelmente tirando partido da cobertura de um bloqueio noticioso, destinado a evitar o aumento da pressão internacional.




Para o melhor, a revolução tinha agora o seu próprio blindado! Acabado de chegar à Passagem Corvin! Continua a batalha pelo controlo das ruas, e estamos ansiosos por as libertar da presença dos blindados soviéticos.

Por isso fomos para Corvin, mais determinados do que nunca, prontos para uma nova tentativa contra os blindados soviéticos. E tivemos êxito! O terceiro, graças ao esforço combinado com Margit and Valéria. Mas foi um sucesso de pouca dura, já que Margit foi atingida com gravidade na troca de tiros que se seguiu.




Mais tarde, nesse mesmo dia, ainda perto de Corvin, juntou-se a nós Ferenc, um perito em comunicações. Fomos uma vez mais à Universidade, o nosso ponto focal para reagrupamento e reorganização.

Seguindo uma sugestão de Ferenc, começámos a remover dos edifícios, sempre que possível, a estrela vermelha de cinco pontas, como uma afirmação pública de que a era do controlo soviético de Budapeste chegara ao seu final. 



É preciso continuar em movimento, pensei!

Desta vez, atravessei a cidade na caixa aberta de uma camioneta, em companhia de Imre e Valéria. Fomos a Széna, onde organizámos um grupo de combatentes, a quem ensinámos a arte de construir barricadas de rua, recorrendo ao que se encontrar à mão.

Não sem mais uma troca de tiros com a milícia, escapando uma vez mais à justa. Mas agora estava bem armado, com uma PPsh-41, uma pistola-metralhadora, ironicamente, de fabrico soviético, a quem eles chamavam papasha.

Encontrava-me ainda a recuperar do tiroteio quando soube que Júlia e István tinham sido abatidos por atiradores furtivos, algures para os lados da Praça Kossuth.

Quatro dias, e a linha que separa vida e morte vai ficando cada vez mais fina.


Continua ...


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