26 de fevereiro de 2021

Days of Ire: Ep. 6 - O desfecho da revolução

 

“Passamos a noite, sem pensar em dormir, ajudando a descarregar e a carregar camiões no posto húngaro de alfândega. Quase esqueceremos que era suposto sermos jornalistas, e que havia uma história noticiosa. É tão mais do que isso …”
[Tradução] Frederick ("Fritz") Hier, A Hungarian Diary, 28 October, ao serviço da Radio Free Europe


Zsombat,  Október 27 

Muito longe, do outro lado do Atlântico, havia apelos ao Conselho de Segurança da ONU. Um sinal de esperança. Mas a política internacional movimenta-se demasiado lentamente para quem está no terreno.

Ao mesmo tempo, surgia agora uma oferta de amnistia sobre a mesa, concebida para parar a revolução ou, pelo mesmo, semear a incerteza. A proposta teve os seus efeitos e, entre nós, Valéria optou por abandonar a luta.

Ouvíamos dizer que, do outro lado da barricada, havia também atiradores furtivos a retirar, mas tudo estava demasiado enevoado.




A velha camioneta continuava a cruzar as ruas de Budapeste, e lá íamos nós outra vez, Imre e eu, à Universidade, buscar Ferenc, a caminho de Csepel.

Ferenc é um génio com aparelhos de comunicação, e assim conseguíamos improvisar emissões de rádio, para espalhar a voz da revolução. Ainda para mais, nós sabíamos que as pessoas escutavam ansiosamente a rádio e que confiavam em nós. O nosso moral nunca tinha sido tão elevado, apesar de todas as adversidades. 

A Passagem Corvin era agora um dos nossos bastiões, com civis armados a assegurar o seu controlo.
No entanto, a troca de tiros com as milícias era recorrente, à medida que avançávamos através da cidade, e acabei por ser novamente ferido.


Vasárnap, Október 28



Um vislumbre de esperança, com tréguas a serem declaradas. Esperávamos que as trovas soviéticas retirassem, abrindo espaço para que nós, os húngaros, tomássemos o destino nas nossas mãos. Mas não seria desta. As tréguas foram quebradas e os tanques soviéticos fizeram a sua reentrada em pelo menos quatro locais. Os acontecimentos tornam-se mais sombrios.

Há ainda mais forças blindadas a chegar, enquanto que os líderes do partido abandonam o País, e também ao HWPP chegam mais reforços.

Estamos a ficar em inferioridade numérica. Estamos a ficara encurralados.

A Rádio Europa Livre continua a proporcionar uma frágil luz neste dia negro, mas não temos a noção do efetivo impacto da sua ação, e o relógio parecer bater mais rapidamente.




Deslocamo-nos agora para a Praça Blaha Lujza, mais perto das forças inimigas, quando um novo combatente, Péter Hajas, se junta ao grupo. Enquanto nos movíamos, um tanque abriu fogo, e fui atingido por estilhaços. Rapidamente fui tratado no local, graças à mala de primeiros-socorros que transportávamos. Pelo menos estava em condição suficientemente boa para sair dali para fora.

Conseguimos escapar e juntámo-nos, com Ferenc e Péter, a um novo protesto que decorria junto à Estátua de Bem. Sempre a jogarmos ao gato e ao rato. Mas estes protestos eram sempre importantes para manter um nível elevado de apoio, ao mostrar que o poderio militar não era suficiente para nos quebrar.


Hétfő, Október 29

Continuávamos a ser procurados por pessoas que queriam participar nos protestos, nas manifestações, e nas lutas. Desta vez foi János que veio ter connosco, com a sua carrinha.

Tentávamos aproveitar ao máximo a confusão que parecia ter-se apoderado das tropas inimigas, que se deslocavam para trás e para a frente, descoordenadas. Precisávamos apenas de um derradeiro impulso para manter o controlo popular sobre os acontecimentos que decorriam nas ruas de Budapeste. Mas mas do outro lado, forças continuavam a acumular-se. E sabíamos também que havia ainda mais atiradores furtivos no nosso encalço.




Ouvimos dizer que a situação em Kossuth era muito má, com as armas a disparar sem freios, muitos feridos ou mortos, um banho de sangue. Pegámos em todo o nosso abastecimento médico e corremos para lá. A situação era crítica, mas conseguimos ajudar uma boa dose de pessoas e, até, desviar um tanque que se encontrava nas imediações.

Mesmo com tudo isto, não havia tempo a perder, e tinha de me encontrar, em breve, com Marta, no Astoria, onde poderíamos contar também com a ajuda de Ilóna, uma especialista em emergência médica. Havia tanques nas proximidades, mas evitamo-los.




Todos sentíamos que era agora ou nunca. Sabíamos que a vitória era possível. Corríamos, passando junto à Rádio, a Passagem Corvin, e de volta à Universidade.

Ter Ilóna connosco foi essencial uma vez que, junto à Universidade, uma ambulância fora atingida, e era necessário prestar auxílio. A nossa equipa enfrentou, com sucesso, mais um teste.
 
Novamente no ponto de partida, na nossa Universidade. O sol põe-se, neste outubro ameno, a noite cai sobre Budapeste. Passara uma semana, era difícil recordar todos os momentos de frenesim, e desligar de tantas imagens e sons cravadas nas nossas mentes. Eu não estava bem, já que a movimentação e ação constantes não permitiam sarar as feridas em condições. 


Kedd, Október 30 



Chegara o tempo de efetuar uma avaliação séria da situação.

Apesar das feridas e dos combatentes perdidos - Margit, Júlia, István -, conseguíramos efetuar ações decisivas por toda a cidade, resolvendo com êxito a maior parte das situações críticas e a maioria dos confrontos.

Estávamos tão perto de alcançar a vitória …

No entanto, havia demasiadas milícias em operação, e as pessoas receavam, cada vez mais, sair para a rua. A movimentação era cada vez mais difícil. A pressão armada não mostrava sinais de esmorecer. Os recrusos começavam a escassear.

E se nos tivéssemos envolvido mais na luta armada?
E se tivéssemos atacado mais a milícia?
E se …

A realidade abateu-se sobre nós, o nosso moral esvaiu-se, sabíamos que já não valia a pena continuar.

A revolução fracassara.


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