Do perfil de Dávid Turczi no BoardGameGeek |
“Enquanto a luta decorria no Edifício da Rádio, os blindados Soviéticos apareceram, pela primeira vez, em Budapeste, a 24 de outubro, cerca das 2 a.m., e em breve entraram em ação. No entanto, até às 9 a.m. não foi efetuado qualquer anúncio oficial da intervenção Soviética.”
[Tradução] Report of the Special Committee on the Problem of Hungary, UN General Assembly , 1957
A primeira vez que ouvi falar de Dávid Turczi, e não terá sucedido apenas comigo, foi provavelmente a propósito de qualquer coisa relacionada com Anachrony. O que se justifica facilmente: este jogo de 2017, que o ano passado entrou na minha coleção, tem sido um tremendo sucesso! Mas seria completamente injusto centrar os resultados que alcançou neste jogo apenas, já que Dávid é um autor prolífico, e este é apenas um de entre muitos, já publicados ou em desenvolvimento.
Para mencionar só algumas das suas criações, e sem qualquer critério particular, poderão ter ouvido falar de Petrichor, Trickerion, Venice, Rome & Roll, Dice Settlers, Kitchen Rush, Rush. M.D.. Caso joguem frequentemente em solitário, como eu, ou o façam durante a aprendizagem de um jogo, é muito provável que tenham já defrontado um dos seus muitos modos solo, concebidos para uma ainda maior diversidade de jogos.
Se aprofundarem um pouco mais, poderão descobrir [redacted], de 2014, um jogo de nunca tinha ouvido falar antes da pesquisa efetuada para esta série. Pode parecer um tempo distante, mas passaram apenas sete anos! E esse foi o começo, com o mesmo trio de autores de Days of Ire: Budapest, 1956: Katalin Nimmerfroh, Dávid Turczi, and Mihály Vincze.
No seu conjunto, uma impressionante quantidade de trabalho em apenas meia dúzia de anos, trazendo a tantos muitas horas de entretenimento, alegria e intenso raciocínio.
O meu primeiro contacto com Dávid Turczi ocorreu numa troca de mensagens no Facebook: ele estava em mudanças e procurava vender um exemplar de Days of Ire! Nessa altura sabia um pouco mais sobre Dávid do que sobre Days of Ire, e como a minha lista de potenciais jogos era já suficientemente grande, acabei por passar na altura. Ou assim pensei, pois algo fora despertado, e o meu interesse pelo jogo continuou a crescer! Até que, em novembro passado, acabei por encomendar o jogo. Em simultâneo, o conceito e as ideias para uma série de textos começavam a ganhar forma.
E, então, passou-me uma ideia pela cabeça: “Não seria muito interessante ter a perspetiva do autor sobre as suas motivações, e abordagem, a esta representação de um período tão especial da História Húngara, da História do seu próprio País?”. Até porque Days of Ire e Nights of Fire são dois jogos de características singulares no seu portefólio.
Seria possível? Não conhecendo pessoalmente Dávid, tinha ficado com a impressão, através de entrevistas, vídeos de explicação de jogos e mensagem em grupos do Facebook, que ele permanecia uma pessoa muito acessível, sempre disposto a partir as suas opiniões, o que fazia de forma apaixonada. Para além disso, julgava ter detetado vários indícios de que Days of Ire and e Nights of Fire tinha um lugar especial entre as suas criações, e ele tinha uma vontade genuína de os tornar mais conhecidos do público.
Assim, porque não tentar marcar uma entrevista? No pior cenário não teria resposta. No segundo pior cenário receberia uma resposta negativa. Não havia muito a perder! Depois de um primeiro contacto acabei por enviar as perguntas entre o Natal e o Ano Novo (!), seguindo o esquema geral que já tinha usado para outras entrevistas: algumas perguntas escritas, organizadas e fragmentadas, para respostas escritas, já que a escrita é o meu meio de eleição. Bem, de facto não foram apenas “algumas” questões, mas uma data delas… talvez demasiadas, pensei, exigindo um bom pedaço de tempo a um criador ocupado, e para um blog de pequena audiência…
Um simples lembrete uma pequena espera depois, e tudo estava encaminhado! Em meados de janeiros as questões tinham respostas, não sem virem acompanhadas por um pedido de desculpas pelo tempo demorado, dado o volume de trabalho e pedidos de entrevistas a que dar resposta!
Vamos então conhecer um pouco de Dávid Turczi, nas suas próprias palavras e sorrisos!
Tradução da entrevista, realizada em inglês.
Podem ver aqui a versão original.
Dávid, como te apresentarias de forma breve, bem, mais ou menos breve, como preferires, e restringindo, ou não, à área dos jogos de tabuleiro?
Olá, chamo-me David Turczi, tenho cerca de 33 anos de idade, nasci na Hungria, onde vivi durante 25 anos, e depois de uma temporada de aproximadamente 7 anos no Reino-Unido, vivo atualmente nos Países-Baixos. Era engenheiro de software (daquele tipo aborrecido, de empresas) mas abandonei essa área há 3 anos, dedicando-me a tempo inteiro à criação e desenvolvimento [de jogos]. O meu tipo de música favorito é rock progressivo dos anos 70, nos jogos de tabuleiro escolho sempre o amarelo, mas a maioria das minhas T-shirts são pretas. Espinafres são os melhores legumes para acompanhamento.
Foste sempre um adepto de jogos de tabuleiro? Podes partilhar uma recordação dos primeiros tempos?
Comecei na Universidade, há cerca de 12-13 anos. Algumas pessoas estavam a jogar Bang! por diversão, que depois se tornaram em sessões de Munchkin pela noite fora. As coisas tornaram-se mais sérias quando recebi Battlestar Galactica: The Board Game, como prenda (uma vez que o meu gosto pela série era bem conhecido). A minha primeira Essen Spiel [a maior feira de jogos de tabuleiro, que decorre anualmente na cidade de Essen] foi em 2012, onde comprei 14 jogos, quadruplicando a minha coleção.
Jogos em formato físico, digital ou ambos?
Comecei pelos físicos, depois passei aos digitais, e depois regressei aos físicos, que não voltei a deixar.
Como ocorreu a transição de jogador para criador de jogos, e para criador de jogos publicáveis/publicados?
A terceira expansão para BSG [Battle Star Galactica] demorou muito tempo a sair. Por isso tive de criar a minha própria expansão. E testá-la até à perfeição.
Um dia, um membro do meu grupo de jogos, Mihaly Vincze, regressou a casa depois das férias dizendo “criei um jogo!". Não pude evitar, tinha de o ajudar. Em conjunto com Kate, a minha companheira à época, nós os três passámos meses (anos?) a aperfeiçoar o jogo. Apresentámo-lo a alguns outros, sem sucesso, em Essen 2012, mas em 2013 conheci o homem por detrás da LudiCreations – então uma editora Finlandesa ainda a começar – e ele quis lançar o jogo. Aprendemos tudo ao longo do percurso, e o jogo foi publicado.
De repente éramos os “primeiros autores Húngaros com edição internacional”, e então uma empresa Húngara em fase de lançamento abordou-nos para “aconselhamento”. Foi assim que conheci Viktor Peter e Richar Amman, da Mindclash, e que lhes mostrei um jogo sobre viagens no tempo (então chamado Paradox Factory), e depois embarcámos num caminho de vários anos, que conduziu à edição de Anachrony, tornando-me famoso do dia para a noite 😊
Primeiro tive sorte, e depois trabalhei para isso 😊
Algumas lições, pensamentos ou tropeções ao longo do percurso, que queiras partilhar?
Sê atencioso, adapta-te aos outros, mas exibe sem vergonha aquilo em que és bom.
Não interessa o que podes fazer, se ninguém souber o que é…
Como autor bem conhecido, sentes pressão para “concretizar”, e eventualmente para “adequar”, ou sentes que agora tens mais liberdade para seguir as tuas ideias?
Agora tenho muito mais liberdade. Não tenho de inventar um jogo, passar meses a aperfeiçoá-lo, marcar 10 reuniões, e depois ser rejeitado 11 vezes antes de alguém, algures, queira aquilo que tenho (mas que precisa que eu primeiro trabalhe ainda mais uns quantos meses).
Agora avalio a minha ideia (ou como dizem – tomo um duche), e depois decido que editora quero contactar. Agendo uma reunião, exponho a ideia, e, se gostarem, passo algumas semanas a desenvolver a prova de conceito, que depois mostro numa segunda reunião, de apresentação. Então recolho as ideias deles, as críticas, etc., mas nesta fase, se a ideia original era boa, eles provavelmente assinarão um contrato, e a partir o problema é todo nosso.
Isto quer dizer que as minhas más ideias são rapidamente abatidas, e as minhas boas ideias são depressa melhoradas. E a fama traz acesso a voluntários, o que quer dizer que consigo fazer mais, com mais mãos. Claro que preciso de fazer concessões, e não ter de cada vez “o meu precioso bebé”, mas isso é apenas senso comum, até porque as excentricidades dos autores tendem a tornar os jogos (até os euros pesados em que tendo a trabalhar neste momento) difíceis de editar.
O despertador toca às 8h25, leio as notícias, arrasto-me para o quarto de banho, sento-me à frente do portátil pelas 9h30.
Se for um dia de reuniões, provavelmente estarei no Google Meet das 10 até à hora de dormir (com umas pausas para almoçar, para a chegada da minha namorada a casa, jantar, festas ao gato, etc.).
Se for um dia de prototipagem, então ponho a passar umas séries de ficção científica que já vi centenas de vezes e dedico-me à tarefa entre a impressora, as tesouras e a cartolina.
Se for um dia de teste, então dou as boas-vindas aos jogadores entre as 10 e o meio-dia, e depois jogamos até às 6 da tarde, na companhia de boa comida de entregar ao domicílio 😊
E depois isto repete-se, 5 a 7 dias por semana 😊
Qual é a descrição mais adequada, no que se refere ao processo de criação e desenvolvimento de jogos: obsessivamente organizado, organizado, caos organizado, ou completamente caótico?
Caos organizado. Tenho uma lista de tarefas a fazer, com prioridades, tenho um Slack para cada editora, tenho pastas de Dropbox organizadas, e tenho um calendário Google rigorosamente preenchido com reuniões a não falhar. Mas o que acontece pelo meio é magia, loucura, e a vontade do Universo.
E agora umas perguntas rápidas sobre jogos que gostes de jogar.
Um “velhinho” que tenha ficado na memória ou que ainda jogues de vez em quando.
Não jogo nada assim "tão antigo" 😊 Mas de entre os jogos que sobrevivem ao "deslumbramento do novo", diria que Glory to Rome é ainda o melhor, com outras menções honrosas para Caylus, Among the Stars, Eminent Domain.
Um jogo com temática histórica.
Sekigahara.
Imperial Struggle.
1960: The making of the President.
Um jogo ou modo solo feito por outros criadores.
Nunca jogo a solo.
O último jogo que jogaste.
Sem contar com testes foi Dawn of Peacemakers, de Sami Laakso, um jogo de guerra inverso embrulhado num jogo cooperativo assim para o ligeiro. O meu último "euro pesado" foi Kanban EV, de Vital Lacerda.
Um jogo que tenhas vontade de jogar no curto prazo.
É suposto jogar a nova versão de Tinner's Trail, de Martin Wallace, e estou curioso 😊
Há mais para ouvir de Dávid, agora que vamos focar a conversa na conceção de Days of Ire, no episódio 2.
Lista de episódios
Ep. 1 – Coisas sérias
Ep. 2 - Apresento-vos Dávid Turczi
Ep. 3 - Perspetivas de autor
Ep. 4 - Na mesa
Ep. 5 - Juntei-me à revolução!
Ep. 6 - O desfecho da revolução
Ep. 7 - Budapeste 1956 e mais além
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