29 de setembro de 2019

Um sábado à tarde



Sábado foi um dia de viagens.

Chegou ao fim nas águas quentes de Tungaru, um arquipélago do Pacífico Sul, navegando de ilha em ilha, construindo monumentos, recrutando habitantes, trocando peixe, conchas, cocos e pérolas, e, claro, colhendo flores coloridas.

Foi a oportunidade de efetuar um teste a este jogo, que não está ainda numa loja perto de si, porque se encontra em fase final de desenvolvimento.

Da autoria de Louis e Stefan Malz, ilustrado por Andrew Bosley, será editado pela britânica Alley Cat Games, e deverá ser lançado na plataforma de financiamento Kickstarter em finais de outubro.




A tarde tinha começado no Egito, em Luxor, na margem do Nilo e bem perto do Vale dos Reis. Um grupo de aventureiros explorando as riquezas do templo de Luxor, e tentando ser um dos primeiros a aceder ao túmulo do faraó.

Luxor, de Rüdiger Dorn, ilustrado por Dennis Lohausen, numa edição Devir (2018).




Depois, rumei a leste, até à Índia, ao Estado do Rajastão, e à sua capital, Jaipur. Para aprender, da maneira mais difícil, a arte de comerciar, num duelo a dois, por entre pedras preciosas, ouro e prata, especiarias ou tecidos, e cáfilas de camelos.

Jaipur, de Sébastien Pauchon, ilustrado por Vincent Dutrait e Alexandre Roche, numa edição Game Works (2009).




Foi então que abandonei terra firme, navegando até às Caraíbas, Jamaica, Port Royal. Testando a ambição e a sorte, com galeões de cores várias, expedições, marinheiros e piratas, comerciantes, jogadores, padres, donzelas e demais presenças habituais dos portos, onde reinam os dobrões de ouro.

Port Royal, de Alexander Pfister, ilustrado por Klemens Franz e Atanas Lozanski, numa edição Pegasus Spiele (2014).


E foi assim que, finalmente, decidi atravessar o Pacífico, em busca de terras mais calmas, até Tungaru.

Tudo num sábado à tarde, dinamizado pelo Grupo de Boardgamers de Aveiro, em S. Bernardo, Aveiro. Um agradecimento especial ao Carlos, por servir de guia na parte inicial da viagem!



Participa também nesta JAM session - Jogando à Volta do Mundo - e segue a etiqueta JAM.
Envia uma foto de uma sessão de jogo, nome do jogo, o teu nome, cidade, País (e, se quiseres, uma frase curta sobre a sessão e ou uma foto da cidade) para gamesinbw@gmail.com.

22 de setembro de 2019

Em busca do conhecimento - O Sonho



Estava escuro. Era noite, ainda. O quarto estava em silêncio. Não se ouvia o ranger da madeira, cá dentro, nem o sussurro do vento, lá fora. O ar pesava, húmido, com travo a fumo. As imagens sucediam-se na minha mente, sem uma ordem precisa: caminhos, pessoas, livros, viagens, corredores, travessias, paredes, estantes, outras paragens, cruzamentos, costumes estranhos. Estaria acordado? Ou continuaria a dormir? Vagueava, por certo, naquela terra indistinta entre o sonho adormecido e o sonho acordado. Deixei-me pairar, flutuando sem esforço, esperando. Esperando que a ordem se sobrepusesse ao caos, que as camadas se depositassem, que a razão chegasse à superfície.

Aos poucos, as peças foram-se encaixando, fazendo sentido, como num puzzle: primeiro as bordas, definindo o limite; depois os padrões fortes e as formas singulares; por fim, os pormenores e os elementos monótonos.

A conversa da noite anterior, na taberna, entre copos de vinho. A discussão eterna sobre o que sabemos, afinal, e sobre aquilo em que acreditamos, apenas. Sobre o que vem da ciência sabida e da ciência feita. Podia não ter passado de mais uma cavaqueira, para fechar mais uma noite. Mas, depois, abriu-se a porta e entrou o viajante. De ar cansado e olhos brilhantes. Sentando-se à mesa. Ouvindo enquanto ceava. Pedindo a palavra. Esticando a noite. Com histórias que atravessavam toda a Europa. Sítios a que se ruma em busca do conhecimento. Línguas estranhas e línguas francas. As conversas com os sábios. Os livros que transportava no alforge, como carga preciosa. A missão.

Tudo aquilo encontrou eco junto das minhas próprias inquietações, da vontade de deixar o conforto da rotina, de saber mais, de me tornar cidadão do mundo, de aprender com os mestres e, talvez, de chegar mesmo a ensinar, tornando-me também eu um deles.

Sim, pensei, estava na altura de seguir o sonho acordado. Tinha de deixar para trás Basileia. Deixar esta Universidade. Como Paracelso, meu concidadão, que por aqui mesmo passou, antes de rumar a outras paragens. Afinal, não estamos nós já num mundo de progresso? Não estamos nós em pleno século XVIII? Sim!  A decisão estava tomada. Partiria! O negrume começava, lentamente, a clarear. Levantei-me.

(continua)

Uma viagem à boleia de Newton, um jogo de Nestore Mangone e Simone Luciani, Ediciones Mas que Oca (2018) sob licença de Cranio Creations.

15 de setembro de 2019

Sendo juíz

The Board Game Workshop Design Contest 2019

Juiz no Design Contest 2019, do The Board Game Workshop. Uma iniciativa alimentada pelo entusiasmo e dedicação de Chris Anderson! E mais uma experiência neste primeiro ano de regresso à Terra dos Jogos, um ano agora quase em vias de se completar.

A responsabilidade: apoiar criadores, contribuindo para a concretização das suas ideias.

O desafio: tratar de forma justa propostas muito diversas.

A dúvida: seria capaz?

A dúvida tinha sido antecipada: a página do concurso continha informações detalhadas sobre todo o processo, o papel dos juízes, o tempo de dedicação e, mais importante, sobre jogos submetidos em edições anteriores, permitindo a cada um vestir a pele de juiz antes de decidir.

Autoavaliação feita. Vamos a isto!

Mais de 100 projetos a partida. 
Mais de cem criadores, individuais ou em equipa. 
Muitos sonhos, ideias, projetos, horas de trabalho.
Jogos abstratos ou temáticos; cooperativos ou competitivos.
Tabuleiros e peças.
Mecanismos e combinações.
Para dois jogadores; para três, quatro ou mais.
Para quinze minutos de descontração ou para umas quantas horas.
Em fase de desenvolvimento diferentes.
Visando proporcionar experiências distintas.


Material disponível para a primeira fase do concurso: uma descrição curta e um vídeo de 2 minutos de duração. 

Talvez a fase mais difícil. Dois minutos é pouco tempo. Evitar ficar apenas pelas primeiras impressões, e tentar ver mais além. Evitar ser influenciado pelo nível de produção do vídeo, pela voz, pela animação ou pelas legendas. Evitar decidir com base nas preferências pessoais enquanto jogador. Por tudo isto, a pergunta mais difícil para mim foi, sem dúvida: “How excited are you to play the game?”.

Focar no jogo, em primeiro e em último lugar. Focar nos destinatários.

Optei, desde logo, por não tentar ver todos os jogos, por não avaliar jogos em que estava a sentir dificuldade em ver suficientemente de longe. Preferi dar tempo suficiente a cada proposta. Ver e rever os vídeos. Tentar perceber a intenção e vislumbrar o potencial.

Avaliei 19 jogos.


A caminho da segunda fase, a inovação desta edição: sessões de trabalho com os criadores!

Uma oportunidade para conhecer um pouco da pessoa por detrás do jogo.  Uma oportunidade para melhor perceber o trajeto, as ideias, os objetivos, as opções, os porque sim e os porque não. E assim melhor contribuir para o desenvolvimento, ouvindo, questionando, sugerindo, opinando.

Foram conversas com dois criadores, face a face, à distância, no espaço e no tempo, por cima do Atlântico, entre Portugal e os EUA. E mais umas quantas mensagens para continuar a polir o jogo, a preparar as regras e a desenvolver um vídeo de até quinze minutos de duração.

Parabéns Chris, por esta ideia! 
Muito interessante e enriquecedor, para além de possibilitar um contributo mais efetivo!


E chegamos à segunda fase, agora já com as regras completas do jogo e os tais vídeos mais longos. A implicar uma maior disponibilidade para digerir a informação, imaginar o jogo em ação, avaliar equilíbrios e desequilíbrios, virtudes e problemas.

Dediquei o tempo a apenas dois jogos.


Falta a fase três: testar a coisa de verdade, um protótipo completo. Claro que isto tem de ser feito no local, por um painel de juízes, pelo que a minha contribuição fica por aqui, acreditando que muitos destes projetos se vão tornar de facto em jogos, disponíveis por aí!

3 de setembro de 2019

An Gleann Mòr



Finalmente no Grande Vale.
No Grande Glen.
Glen More.
An Gleann Mòr.

De viagem. Por Terras Altas.
Por entre a neblina, sob os céus que não se vêm.
Por entre as nuvens, por entre a chuva.
Terra de água. Terra de águas.

Ao som do vento.
Ao som do gaélico.
Ganhando ainda mais mistério.

An Gleann Mòr.
De Inbhir Nis a Fort Williams, 73 milhas marcando a Escócia.

Urquhart Castle, Caisteal na Sròine, junto a Drumnadrochit.
Vigiando há séculos.
Sobre o lago.




O lago.
Loch Ness.
O primeiro, para quem vem de Norte.

O jogo veio de viagem, em busca das origens.
Viajando leve, sem caixa, fora da caixa.
Glen More. Loch Ness.




Loch Lochy. Loch Lòchaidh.

Já depois de Loch Oich. Loch Omhaich.

Lagos que se sucedem no vale, formando o Canal Caledoniano.

A montanha mais alta não se deixou ver, protegida pelas nuvens.
Beinn, montanha, como em Beinn Nibheis, Ben Nevis.
O ponto mais elevado da ilha grande, que aqui se mede em pés, 4400 deles.
Depois de Fort Williams, viragem para Oeste, rumo às costas recortadas.




Loch Shiel.

Loch Seile.

Uma visão que dispensa palavras.

Não se sente a chuva que cai.

O tempo abranda.

Quase pára.





O jogo veio de viagem.

As peças saíram da caixa.

Encontraram as suas origens.




Eilean Donan Castle.
O castelo da ilha de Donan.

Oito séculos de história.
Dos Vikings aos Jacobitas.

Reconstruído ao longo de 20 anos, no início do século XX.
Pela visão e mãos de um militar e do seu Chefe de Obras.
John Macrae-Gilstrap e Farquar Macrae.




Tempo de rumar à ilha.
À ilha de Skye.
Desta vez, trocando os castelos de Armadale e Moil pelos Homens Velhos de Storr.

Subindo, subindo e ainda subindo.
Até junto das névoas.
Acima do arco-íris.

Antes da descida.
Com a chuva enviada pelos Homens Velhos, para nos afastar.
Com a chuva que já faz parte de nós.


Em Clans Map of Scotland, Bartholomew

Tempo de deixar esta terra de Clãs.
O jogo voltará à caixa.
Por agora.

Glen More.
An Gleann Mór.