31 de março de 2019

Onde os dias e as noites não se sucedem



De volta a casa, finalmente!

À vista familiar das cidades e das montanhas que flutuam no ar. As grandes naves que vagueiam através do céu, velas desfraldadas ao vento. Os balões, movendo-se para cima e para baixo, transportando mercadorias das ilhas de produção. A luz do sol, brilhante.

Tantas memórias emergindo rapidamente. Sinto como se não tivesse deixado o planeta há tanto tempo. 

Exceto por uma coisa. Enquanto no planeta azul noites e dias sucediam-se, marcando o ritmo e proporcionando descanso, aqui nunca há escuridão no lado norte, e nunca há luz no hemisfério sul. E isso está a ser mais difícil de superar do que o desfasamento provocado pela viagem através do espaço.

As pessoas adaptaram-se, através dos tempos, de modo a tornar possível a vida em ambas as áreas. As actividades e o comércio foram segregados, em conformidade. As florestas e os campos de cultivo encontram-se a norte, e a madeira e o trigo resultantes são transportados para o sul. Pedras e água, abundantes na parte inferior, fazem o percurso inverso.

E, por isso, viajar por este mundo, abastecendo todos, é mais do que um trabalho: é uma missão merecedora das maiores honras.

Sim. Esta é a minha casa. Isto é Solenia!


Cidades flutuantes


De velas desfraldadas ao vento


Mais um carregamento concluído


Em busca de matérias-primas


Através dos céus

Água

Noite estrelada


Dujardin, Sébastien, Solenia, Frasnes, 2018: Pearl Games.
Ilustração de Vincent Dutrait.

17 de março de 2019

JAM, na LeiriaCon 2019



Fim de semana cheio de jogos.

Sábado, em Estarreja. Mais uma partida de xadrez, para o Campeonato Nacional da 2ª Divisão por Equipas, Série A. Terceira vitória consecutiva e terceira vitória da equipa.

Domingo, rumo a Sul. Saída às oito e meia da manhã. Céu cinzento, a contrastar com os últimos dias. Autoestrada praticamente deserta. Uma hora de condução tranquila. Destino: Praia de Vieira de Leiria, último dia da LeiriaCon, colheita de 2019, a 14.ª da história.




Mesa marcada para as dez, com Yinzi, no menu.

Jogo fresquinho, fresquinho, acabado de lançar, da autoria dos portugueses José Carlos Santos e Luís Costa, belíssimo trabalho de ilustração de Harald Lieske, e publicado pela editora alemã Spielworkxx.

Como anfitrião, José Carlos Santos, o próprio, para nos desvendar um pouco deste jogo de comércio, na China da dinastia Ming. Um jogo muito rico, pleno de escolhas, de mecanismos interligados, de pequenos pormenores e de subtilezas. Claramente a repetir, e a merecer um degustar mais demorado, para descobrir os múltiplos sabores! 




De um jogo novo passámos a um que ainda vai ser!

Experimentando um protótipo com um tema original.




Uma palete de personagens, que se vão fazer retratar, mas cheias de caprichos quanto à sua posição na tela, as companhias, as posturas. 

Um jogo rápido, de procura de informação e, sem dúvida, a colocar a memória à prova.




E, para terminar o dia, um jogo que goza já de grande popularidade, apesar de ter apenas um par de anos. Azul, de Michael Kiesling, com os azulejos de Portugal como tema. Esteticamente agradável, de fácil aprendizagem, rápido de jogar, permitindo diferentes estratégias. Falta experimentar a três e quatro jogadores, mas percebe-se a aceitação que tem!




E foi assim, esta passagem pela LeiriaCon.

Com um excelente ambiente, grande simpatia e descontração, uma forte presença internacional e nomes de referência deste mundo dos jogos.




Venha a convenção 2020!

E um pouco mais de azul, antes de o Sol se pôr.




Participa também nesta JAM session - Jogando à Volta do Mundo - e segue a etiqueta JAM.
Envia uma foto de uma sessão de jogo, nome do jogo, o teu nome, cidade, País (e, se quiseres, uma frase curta sobre a sessão e ou uma foto da cidade) para gamesinbw@gmail.com.

10 de março de 2019

Hora do chá, com Dan e Connie

Foto de Travis Wilkins (@travisnwilkins no Instagram e Twitter), Ontario, Canadá.


Esta entrada foi escrita originalmente em inglês, e depois traduzida, num processo inverso ao que habitualmente alimenta os dois blogs gémeos A Preto e Branco e In Black and White. Resultado de uma conversa que atravessa fronteiras. Quem preferir, pode ler o original.


Vagueando pela terra dos jogos. Percursos com história e com histórias. Para partilhar. Tudo isto pode soar familiar a quem leu o post inicial deste blog. Criações. Criadores. Histórias de jogos. Histórias de jogadores. Histórias das pessoas por detrás dos jogos.

Hoje vamos até Calgary (Alberta, Canadá), não muito longe do Parque Nacional de Banff, para conversar com Dan & Connie Kazmaier, Steeped Games, à volta de uma chávena de chá bem quente. O que poderia ser mais apropriado, quando a temperatura lá fora está próxima do zero?

Bem, na realidade não se trata de ir em pessoa. Apesar de tudo, Calgary, Canadá, não está ao virar da esquina de Aveiro, Portugal. Com o Oceano Atlântico e a maioria de um continente de permeio, mais de 7500 km de distância, 7 fusos horários, e, sim, uma diferença de 20ºC!

Afortunadamente, em ambos os nossos mundos, as mensagens são quase instantâneas. Perguntas enviadas, respostas recebidas, comunicação assíncrona estabelecida. E apesar de não nos sentarmos à mesma mesa, servindo o chá nas nossas chávenas, podemos, na mesma, falar sobre chá. Ou, melhor dizendo, sobre Chai, o primeiro jogo criado por Dan e Connie, atualmente em produção.

Em Chai assumes o papel de um comerciante de chá, adquirindo ingredientes, fazendo as tuas próprias misturas e procurando satisfazer os pedidos dos clientes. Bagas e lavanda, com um toque de baunilha e uma gota de leite? Sim, é possível fazê-lo, depois das compras no mercado e de uma visita à despensa para obter todos os ingredientes necessários. Mas, cuidado, para não te perderes em experiências. É preciso satisfazer os clientes e obter algumas gorjetas!

Esta chávena de chá foi lançada na plataforma de financiamento coletivo Kickstarter, em dezembro de 2018, apoiada por quase 2600 pessoas, e angariou mais de $135000. Ainda falta algum caminho até chegar às prateleiras e, mais importante, às mesas.

Puxa uma cadeira e junta-te a nós para esta conversa!





De onde surgiu esta ideia de tornar o chá num jogo, ou de fazer um jogo à volta do chá? 
À época estávamos a conceber um outro jogo, um submarino do tipo Euro, quando nos apercebemo que um jogo temático sobre chá seria um grande começo. Ainda estamos a trabalhar nesse outro projeto, e em mais alguns, mas sentimos que queríamos apostar neste jogo que realmente despertou o nosso entusiasmo, e também o de vários jogadores que o testaram. Quando tens algo que os amigos e a família apreciam, tens que continuar a trabalhar nisso.


E quando é que tudo começou? 
No ano passado, no início de março, após a EPOC, Canadá, uma conferência de três dias sobre design de jogos.


É o primeiro jogo que conceberam, ou já tinham desenvolvido outros jogos, ainda que apenas para entretenimento pessoal? 
Connie: Não desenvolvi jogos anteriormente, mas sou uma ávida jogadora de jogos de tabuleiro, particularmente do tipo cooperativo.
Dan: Eu gostava de fazer alguns jogos, no meu tempo livre durante o ensino elementar (equivalente ao 1.º e 2.º ciclo do ensino básico), começando com um sobre o Hobbit e Civilização de Sid Meier. Joguei xadrez de competição, começando no final do ensino básico (junior high) e, portanto, passar mais tarde para a criação de jogos pareceu-me uma evolução natural.
Eu: Soa-me familiar, uma vez que, desde sempre, fui desenvolvendo pequenos jogos, como passatempo, e comecei a jogar xadrez de competição por volta do 9º ano (coisa que ainda faço ocasionalmente).




A versão finalizada difere muito do ponto de partida, em termos de mecanismo de jogo? 
Chai evoluiu muito rapidamente graças à ajuda dos jogadores de teste! O tabuleiro representando o mercado foi feito razoavelmente cedo, e é o elemento mais singular do jogo, pelo que fomos desenvolvendo o resto em torno dele, da melhor forma que conseguimos. As gorjetas dos clientes foram adicionadas mais tarde, e apesar de estarmos satisfeitos com o estado do jogo, uns meses antes da campanha no Kickstarter, foi só depois de adicionar as cartas representando diferentes capacidades que sentimos que tínhamos acertado em cheio. É surpreendente o número de vezes em que continuas a querer aperfeiçoar as coisas, mas dissemos a nós próprios que, em algum ponto, tínhamos que o libertar para o mundo. Definir o início de dezembro de 2018 como data para o lançamento no Kickstarter, ajudou-nos a manter um objetivo temporal em mente, sem o qual ainda estaríamos hoje, provavelmente, a trabalhar sobre o jogo.


Tiveram contributos significativos da comunidade dos jogos?  
Oh certamente – o envolvimento da comunidade foi realmente o motor por detrás do sucesso da campanha do nosso jogo no Kickstarter, mas também na preparação para ela. Tivemos inúmeras pessoas que nos encorajaram durante toda esta jornada, uma vez que em alguns meses era necessário ter mais energia mental para continuar. As sugestões para aperfeiçoar coisas, desde diferentes mecanismos até ao livro de regras, foram instrumentais para a concretização. Se é necessária uma aldeia para criar uma família, pode certamente ser necessária uma comuni-chá global [trocadilho de community para communi-tea, no original] para moldar um jogo de tabuleiro. Estamos tão gratos a todos os que se colocaram ao nosso lado e nos ajudaram, incluindo diferentes editores bem estabelecidos, que ofereceram comentários e também conselhos.




Como foi desenvolvida a componente artística do jogo e que influência teve esse processo no próprio jogo?
Contratámos duas artistas incríveis, Sahana VJ de Bangalore, Índia, e Mary Haasdyk de Calgary, Canadá, que foram maravilhosas durante todo o processo. Na preparação até à campanha elas trabalharam em cerca de 80% da componente artística, com o restante a ser terminado agora, que vamos para a produção. Perguntámos à nossa comunidade, e a outros grupos de jogos de tabuleiro, que tipo de personagens gostariam de ver no jogo, o que ajudou a orientar o processo criativo ao longo do nosso trajeto.


Qual foi o principal desafio ou questão inesperada a superar? 
O nosso objetivo era tentar descobrir como criar um jogo que fosse acessível para não-jogadores, mas que pudesse ser apreciado a um nível estratégico por jogadores experientes. Focámo-nos muito nos componentes imersivos do chá no próprio jogo, o que ajuda a superar esta diferença, mas foi mais fácil dizê-lo do que fazê-lo. Descobrimos, por vezes, que os jogadores procuravam mais estratégia e mais tomadas de decisão, e por isso alterámos um pouco o jogo nesse sentido.


E, por outro lado, o que afinal se revelou mais fácil do que o esperado inicialmente? 
Reunir uma comunidade para auxiliar a testar o jogo provou ser mais fácil do que antecipávamos! Neste momento temos, só no Facebook, mais de 1.200 membros na nossa comunidade sobre o Chai, o que se revelou extremamente útil para destrinçar entre o que funciona e o que não funciona a partir de perspetivas de pessoas diferentes.


Algum novo projeto em preparação? 
Sim! Estamos a fazer uma expansão para o Chai, que esperamos seja lançado no Outono, e possivelmente também uma versão "duelo", para dois-jogadores. Perfeito para encontros, hah.




O desafio de nomear jogos: um "antigo" que seja uma boa memória ou que ainda seja jogado, o último que jogaram, o próximo a ir para a mesa.
Scotland Yard (um velho clássico) e Rook com a família (um jogo de vazas).
Jogámos Terraforming Marte, na quinta-feira, e Scythe: a ascensão de Fenris, duas vezes na segunda-feira, portanto estamos a dar-lhe!
E realmente ansiosos por jogar o Stonemaier mais recente, Wingspan.


Que chá preferem? Eu estou numa de Morocco Mint & Spice.
Connie: Eu sou uma rapariga rooibos.
Dan: E eu um tipo dos crisântemos!


Fotos de Chai por Travis Wilkins (@travisnwilkins no Instagram e Twitter), Ontario, Canadá.

3 de março de 2019

É fazer as contas!



Letras soltas.
Que se juntam em palavras.
Que se cruzam, nas páginas de um jornal, a solitário.
Que se cruzam, sobre um tabuleiro, a dois, três ou quatro.
Transformando-se em pontos, que são números.
Chamamos-lhe Scrabble.

Algarismos soltos.
Que se juntam em números.
Que se transformam noutros números.
Somando, subtraindo, multiplicando, dividindo.
Ao sabor das operações básicas, sobre um tabuleiro.
Transformando-se noutros números, que são pontos.
Chamamos-lhe Mathable!

Há quem prefira letras.
Há quem prefira números.
E há quem goste de jogar com ambos.















Cada jogador começa com uma mão de sete números.

Para colocar um número no tabuleiro, ele deve:
  • ser o resultado de uma operação (adição, subtração, multiplicação, divisão) que utiliza como parcelas dois números adjacentes;
  • ser colocado em linha, vertical ou horizontal, com as duas parcelas;
  • ser colocado num espaço livre, imediatamente antes ou depois das parcelas.

No exemplo da imagem, a partir da posição inicial, foram colocadas as seguintes peças:
  • 3, como resultado de 3x1 (ou 3/1);
  • 1, como resultado de 2-1;
  • 12, como resultado de 3x4;
  • 6, como resultado de 2+4.

Um jogador pode colocar, numa mesma jogada, quantos números quiser.

No final da jogada retira do saco a quantidade de números necessária para repor a sua mão de sete números.

Em alternativa, pode tentar melhor a sua mão, descartando para a pilha um conjunto de números, e retirando um número igual de novos números.




O tabuleiro tem casas especiais:
  • 2x – duplicando o valor do número colocado nessa casa.
  • 3x – triplicando o valor do número colocado nessa casa.
  • Sinal de operação – obrigando a que o número colocado seja o resultado da operação indicada. Neste caso o jogador pode retirar um número suplementar para a sua mão, mas não é obrigado a fazê-lo.

O modo de pontuar é simples, mas convém ter uma folha de registo:
  • Cada peça colocada dá um número de pontos igual ao seu valor.
  • As peças colocadas em casas 2x ou 3x pontuam, respetivamente, o dobrou ou o triplo do seu valor facial.
  • Uma peça colocada pode ser o resultado certo para operações, iguais ou não, envolvendo mais do que um par de números, na horizontal ou na vertical. Neste caso conta-se o seu valor por cada operação realizada.
  • O jogador que coloca todas as peças da sua mão recebe um valor extra de 50 pontos. Se durante a jogada retirou peças suplementares, também tem de as conseguir colocar para obter este bónus. Se a mão for inferior a sete números, o que pode acontecer perto do final da partida, quando já não há peças suficientes para repor a mão, o bónus não se aplica.



Cada jogador tem um cartão que identifica o número de peças que existem para cada um dos números, o que é fundamental para perceber que combinações já não são possíveis ou são pouco prováveis.

Note-se que não estão presentes todos os números, que existe o zero, que há sete peças com cada um dos números de 1 a 10, e que das restantes só existe um único exemplar.

Matéria para pensar, para quem quiser jogar de um modo mais estratégico, evitando ou criando impossibilidades.




E é isto, o jogo dos números e das operações que os transformam, para ser jogado por dois, três ou quatro jogadores. Agora, é só fazer as contas!


Mathable, Montreal, 1987: Jocus. Diset, S.A., Barcelona.