22 de setembro de 2019

Em busca do conhecimento - O Sonho



Estava escuro. Era noite, ainda. O quarto estava em silêncio. Não se ouvia o ranger da madeira, cá dentro, nem o sussurro do vento, lá fora. O ar pesava, húmido, com travo a fumo. As imagens sucediam-se na minha mente, sem uma ordem precisa: caminhos, pessoas, livros, viagens, corredores, travessias, paredes, estantes, outras paragens, cruzamentos, costumes estranhos. Estaria acordado? Ou continuaria a dormir? Vagueava, por certo, naquela terra indistinta entre o sonho adormecido e o sonho acordado. Deixei-me pairar, flutuando sem esforço, esperando. Esperando que a ordem se sobrepusesse ao caos, que as camadas se depositassem, que a razão chegasse à superfície.

Aos poucos, as peças foram-se encaixando, fazendo sentido, como num puzzle: primeiro as bordas, definindo o limite; depois os padrões fortes e as formas singulares; por fim, os pormenores e os elementos monótonos.

A conversa da noite anterior, na taberna, entre copos de vinho. A discussão eterna sobre o que sabemos, afinal, e sobre aquilo em que acreditamos, apenas. Sobre o que vem da ciência sabida e da ciência feita. Podia não ter passado de mais uma cavaqueira, para fechar mais uma noite. Mas, depois, abriu-se a porta e entrou o viajante. De ar cansado e olhos brilhantes. Sentando-se à mesa. Ouvindo enquanto ceava. Pedindo a palavra. Esticando a noite. Com histórias que atravessavam toda a Europa. Sítios a que se ruma em busca do conhecimento. Línguas estranhas e línguas francas. As conversas com os sábios. Os livros que transportava no alforge, como carga preciosa. A missão.

Tudo aquilo encontrou eco junto das minhas próprias inquietações, da vontade de deixar o conforto da rotina, de saber mais, de me tornar cidadão do mundo, de aprender com os mestres e, talvez, de chegar mesmo a ensinar, tornando-me também eu um deles.

Sim, pensei, estava na altura de seguir o sonho acordado. Tinha de deixar para trás Basileia. Deixar esta Universidade. Como Paracelso, meu concidadão, que por aqui mesmo passou, antes de rumar a outras paragens. Afinal, não estamos nós já num mundo de progresso? Não estamos nós em pleno século XVIII? Sim!  A decisão estava tomada. Partiria! O negrume começava, lentamente, a clarear. Levantei-me.

(continua)

Uma viagem à boleia de Newton, um jogo de Nestore Mangone e Simone Luciani, Ediciones Mas que Oca (2018) sob licença de Cranio Creations.

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