27 de outubro de 2019

Em busca do conhecimento - Ep. 5: Na cadeira de Newton



Novamente em viagem, após meses de trabalho árduo. E se bem que goste das tardes, e das noites, passadas sobre os livros, escrevinhando e pensando, confesso que sentia falta da liberdade da viagem.

Agora, as paisagens iam-se desenrolando, vagarosamente, em direção a Norte. Sentia-se, no ar, a aproximação ao mar. Seguiu-se a travessia das águas da Mancha, o avistar dos penhascos brancos de Dover, por entre a neblina que se dissipava, e o desembarque já do outro lado.

Retomando o caminho sob terra firme, passei por Cantuária, com a sua catedral e o castelo, que ostentava os sinais da passagem dos séculos. Atravessei o Tamisa, a leste de Londres, por onde contava passar no regresso. Continuei, por entre colinas verdes de água, da água dos rios e da que frequentemente descia dos céus. Atingi, por fim, a paragem seguinte.

Trocara a cidade com uma Universidade, pela Universidade com uma cidade.

Estava em Cambridge. Edifícios cheios de história e de conhecimento, com as silhuetas recortadas ao pôr-do-sol, capelas, colunas e espiras, os pátios relvados, o rio e as pontes. Peterhouse College, remontando a finais do século XIII, Corpus Christi, King’s, Queen’s, St. John’s, ente outros. E, claro, Trinity College. Pisando o mesmo chão que Newton pisara, não há tantos anos!

A primeira palestra de Newton, como professor Lucasiano, teve lugar no Trinity College, em janeiro de 1670. Foi sobre a sua investigação em ótica (...). A audiência era pequena, ninguém veio à segunda palestra, e ele continuou a falar para uma sala vazia em quase todas as palestras que deu, ao longo dos dezassete anos seguintes. Depois disso, desistiu de toda a pretensão de ensinar, algo de que nunca gostara. (tradução livre a partir de *)

Os dilemas com que me vinha confrontando, cada vez mais, entre a busca e a transmissão do conhecimento.

A busca, exigente, intensa, incessante, absorvente, das respostas que trazem sempre novas perguntas. Saber, saber mais, saber primeiro, descobrir, desvendar, de alguma forma criar. Isolar do mundo para perceber o mundo.

A partilha, a transmissão do saber e do método, acender a chama, despertar o entusiasmo, inquietar o outro. Fornecer pistas, em vez de soluções, fazer ler e reler, demonstrar, debater, ouvir, saber ouvir, ensinar, repetir, fazer repetir.

Em que me tornaria, ao longo desta viagem, ao longo desta vida?

(continua)


Uma viagem à boleia de Newton, um jogo de Nestore Mangone e Simone Luciani, Ediciones Mas que Oca (2018) sob licença de Cranio Creations.

(*) Remarkable Physicists - From Galileo to Yukawa, Ioan James, Cambridge University Press (2004).

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