5 de novembro de 2025

Sete anos, sete imagens


Há sete anos, o lançamento deste blog assinalava uma espécie de regresso à terra dos jogos. Não que alguma vez a tenha deixado, verdadeiramente, porque os jogos são uma companhia de sempre. Mas a viagem que então se iniciava parecia ter algo de diferente. Talvez porque o mundo dos jogos tivesse mudado, prometendo um sem número de descobertas pelo caminho. Talvez porque não tivesse rumo definido nem destino, permitindo todos os desvios e paragens, encontros e surpresas. Uma viagem nem em sonhos antecipada. Aqui ficam sete momentos, entre tantos outros, para sete anos.



2018. Invicta Com. Uma passagem fugaz na minha primeira convenção de jogos, que decorreu no pavilhão multiusos de Gondomar. Definitivamente, o hobby, que durante muito tempo fora de pequeno nicho, tinha crescido, e esse crescimento tinha-me passado ao lado, imerso que estivera noutros mundos. Ver tanta gente a jogar, tantos jogos e tanto trabalho e dedicação nos bastidores levavam-me a querer descobrir mais e estar presente. A minha rota das convenções apenas a começar. 



2019. Os primeiros trabalhos de tradução e revisão de livros de regras para a MasQueOca (MQO), editora espanhola de jogos. Foi curioso o início, uma vez que o contacto não foi direto. À época, ia fazendo contactos com editoras que lançavam jogos no Kickstarter, para averiguar o interesse em incluir o português na oferta de línguas. Um dos contactos foi com Luke Warren, da North Star Games, por ocasião do lançamento do jogo Oceans. Essa colaboração não se concretizou, mas, amavelmente, o Luke passou o meu contacto ao José Antonio Garrido, da MQO. Pouco tempo depois tinha início uma colaboração que não só ainda hoje continua, como se estendeu recentemente à NAC Wargames, o braço armado da MQO.


2020. The Geeky Pen. A colaboração com esta empresa belga de tradução de jogos de tabuleiro é outra das colaborações mais antigas, mais regulares e mais intensas. Estava longe de imaginar que seria assim quando respondi a um anúncio num fórum do BoardGameGeek. Até porque se tratava de um estúdio que reunia profissionais de tradução, o que não era o meu caso. Mas o primeiro trabalho surgiu, e outros se seguiram, sinal também de que o português era uma língua cada vez mais interessante para as editoras. Vim a conhecer pessoalmente o Jo Lefebure, fundador e diretor do TGP, numa convenção internacional de jogos. Esta empresa opera hoje em 25 idiomas!




2021. A exposição. O desafio tinha chegado bem antes, lançado pela Margarida Almeida. Mas, entretanto, veio a pandemia. O mundo tornou-se irreal, o físico deu lugar ao virtual, e os planos foram adiados. Mais tarde foi possível retomar o projeto e organizar uma exposição de jogos de tabuleiro na Universidade de Aveiro. Algo que me obrigou a olhar de maneira diferente para todos aqueles jogos que normalmente nem saem de casa: definir um objetivo, contar uma história, encontrar um fio condutor, selecionar os jogos, escolher o que mostrar de cada um, conceber a disposição dos tabuleiros, das peças e de outros componentes. E levou-me também a compreender melhor os bastidores daquilo que, normalmente, só vemos do outro lado. 



2022. Apex Legends. Esta adaptação de um jogo de vídeo de combate na primeira pessoa para o tabuleiro, pela editora polaca Glass Cannon Unplugged, foi, sem dúvida, o desafio mais complexo até ao momento. O trabalho consistia no desenvolvimento integral do livro de regras, com base nas versões de trabalho e na colaboração com a equipa de desenvolvimento. Mas este não é um jogo normal: a ação desenrola-se num espaço tridimensional, com edifícios e outros obstáculos, armas e efeitos dos mais variados tipos, a necessidade de traçar linhas de visão entre atirador e alvo, e a exigência de recriar o ambiente frenético do jogo original. Muitas horas de trabalho intenso e uma colaboração estreita, em especial com o Grzegorz Przytarski, um dos responsáveis pelo desenvolvimento, para este produto singular.



2023. Festival Internacional de Jogos de Cannes. Tinha decidido experimentar uma das grandes convenções além-fronteiras e optei por Cannes, apesar de tudo, mais pequena e mais próxima do que Essen. Era também um pretexto para desenferrujar o francês e, de certo modo, um regresso ao passado dos anos 80, em que as novidades do mundo dos jogos me chegavam através da revista Jeux & Stratégie. Não só passei uns dias no Palácio dos Festivais de Cannes, que associamos mais frequentemente ao cinema, como assisti à cerimónia de entrega do As d’Or aos jogos galardoados, fiz demonstrações de jogos para a Wonderful World Board Games, empresa de Taiwan e criadora, entre outros, do Animals Gathering, e experimentei protótipos noite dentro, nas Nuits du Off.



2024. Unconscious Mind. Esta foi outra colaboração ao nível da conceção e edição de livro de regras, para um jogo que me tinha chamado a atenção desde o início, pelo tema, por alguns dos processos utilizados, e pela arte de Andrew Bosley, Vincent Dutrait, e Yoma. É engraçado, e continua a ser algo estranho, ter o primeiro contacto com o produto final numa convecção, nesta caso a VianaCon, vendo pessoas a aprender o jogo pelo livro de regras que, ainda pouco tempo antes, era objeto de trabalho diário.



2025. GamesLab do DCSPT. Mais um ano, mais um desafio. Desta feita, colaborar na introdução de jogos de tabuleiro como instrumento pedagógico no Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro. Com a oportunidade de participar no processo desde os primeiros passos, discutindo as atividades, escolhendo jogos para a ludoteca, dinamizando as primeiras ações de sensibilização com jogos temáticos, fazendo caminho. Jogou-se Die Macher na semana que antecedeu as eleições legislativas, e Rising Waters umas semanas depois. E hoje mesmo há mais: uma apresentação sobre jogos de tabuleiro e seus usos, e uma sessão de jogos com o desenvolvimento de cidades como pano de fundo.

Venham mais sete!

11 de janeiro de 2025

Notas de uma exposição - Clássicos intemporais

 

Muito antes, mas mesmo muito, da era do cartão e da impressão, jogava-se em tabuleiros de madeira ou de materiais mais valiosos, e com pedras, contas, sementes ou figuras trabalhadas. Eram tempos de jogos abstratos na sua essência, de confrontos a dois, verdadeiros duelos da mente. Em comum, uma simplicidade de regras, que se aprendem em minutos, mas que permitem estratégias profundas e táticas apuradas, que demoram anos a dominar. 



Go. Descobri-o na década de 1980, graças à revista francesa Jeux & Stratégie. O fascínio por um jogo antigo do oriente, com uma estética minimalista, a preto e branco. Um tabuleiro imenso, com dezanove por dezanove interseções, completamente vazio no início do jogo. Liberdade total. Pedras que se colocam, alternadamente, mas que não mais se movem. Pressionando territórios, cedendo outros. Entre ganhos de curto prazo e influências duradouras. Ação e passividade. Espaço e tempo interligados. Com uma linguagem própria, que soa exótica para os ouvidos ocidentais, muito antes da generalização dos manga e anime. Joseki, Ko, Tesuji, Atari!



Mancala. Semear para colher, num movimento circular entre os espaços do nosso lado do tabuleiro e os do adversário. Apanhar sementes do nosso lado, e distribuí-las, uma a uma, pelos espaços seguintes, indo parar muitas vezes ao lado oposto, podendo até dar mais do que uma volta ao tabuleiro. Apelando aos sentidos, entre o manuseamento das sementes e o ruído característico do seu embate na madeira das concavidades ou noutras sementes. Um jogo de cálculos difíceis para quem está habituado a raciocínios mais lineares, mas apaixonante. E um conceito que podem encontrar em muitos jogos de tabuleiro recentes.



Xadrez. Sem dúvida o jogo que mais vezes joguei, sem dúvida por ter praticado a vertente de competição durante muito anos! Sobre ele, deixo apenas uma tradução livre das palavras de Joel Lautier, Grande Mestre da modalidade, no Larousse du Jeux d’Échecs: “O que significa o jogo de xadrez para aqueles que o jogam com assiduidade? (...) Pela minha parte, responderia ao curioso mas apressado questionador que, para o jogador competitivo que sou, é um jogo na substância mas um desporto na forma. Se ele tiver mais tempo, falar-lhe-ei do rigor da preparação antes do jogo, da concentração intensa necessária para calcular com precisão as variantes, da profunda alegria estética de uma combinação que se revela, do autocontrolo absoluto exigido no momento crítico em que o destino do jogo oscila, e da paciência necessária para quebrar uma a uma as últimas defesas do adversário. Se ele se tornar meu confidente, também lhe contarei sobre a angústia da luta, sobre essas derrotas terríveis que são como muitas pequenas mortes no momento."

2 de janeiro de 2025

Notas de uma exposição - Palavras e Cartas

 

De palavras e cartas. Elementos familiares, extremamente portáteis, requerendo pouco espaço ou mesmo dispensando uma mesa. Não admira que façam parte de tantos jogos, e sejam até o ingrediente principal, senão mesmo o único, de vários deles. Com uma longa história como elementos lúdicos, continuam a ser constantemente reinventados, traçando pontes entre hábitos antigos e novas experiências.

Codenames. Para jogar em duas equipas, combinando dedução, estratégia e o conhecimento dos parceiros. Associar ideias, dar uma única palavra como pista para descobrir várias palavras da grelha, esperando que os parceiros estejam em sintonia. Mas eis que apenas algumas das palavras correspondem aos nossos espiões, outras a adversários, ainda outras a civis inocentes, e uma é o assassino, a evitar a todo o custo. Um jogo para todos da autoria de Vlaada Chvátil, a completar uma década de existência, e de merecido sucesso.



Just One. Mais uma variação na adivinhação de palavras. Uma única equipa, com o objetivo de levar um dos jogadores à resposta certa. O problema é que cada um dos restantes escolhe uma palavra-pista em segredo, e as pistas idênticas são eliminadas! Qual a melhor estratégia: escolher o óbvio, arriscando a eliminação de pistas, ou procurar pistas mais rebuscadas, mas que precisam de outras para transmitir o sentido pretendido? Uma criação de Ludovic Roudy e Bruno Sautter.



Scrabble. Um verdadeiro clássico, criado por Alfred Butts na primeira metade do século passado. Construir palavras, letra a letra, numa espécie de palavras cruzadas dinâmicas. Mas com um sistema de pontuação que recompensa a estratégia de ocupação do espaço, e a procura por alcançar casas bónus que duplicam ou triplicam a pontuação da letra lá colocada, ou da palavra que usa esse espaço. Ainda ontem foi à mesa, num verdadeiro exemplo de jogos acessíveis a jogadores para lá dos 90!



A Tripulação – Em busca do nono planeta. Uma reinvenção dos jogos de vazas, em formato cooperativo, com missões a cumprir em equipa, mas com comunicação muito limitada. Ganhar uma vaza com a carta mais baixa? Ganhar certas cartas numa sequência específica e por jogadores pré-definidos? Tudo isto, e muito mais, neste jogo de Thomas Sing.

Arboretum. Combina a colocação de cartas-árvore, para criar caminhos da mesma espécie no nosso arboreto particular, com o controlo de cada espécie, mediante as cartas que ficam na mão no final do jogo. Dilema garantido: jogar a carta para ampliar os caminhos ou conservá-la para tentar garantir o controlo. Um jogo original de Dan Cassar, servido pela belíssima ilustração de Philippe Guérin, Chris Quilliams e Beth Sobel.

Whales Destroying the World. O bluff impera, neste jogo de nome invulgar, em que há partida não se sabe quem é aliado e quem é adversário. Curiosamente, foi a minha primeira colaboração no mundo dos jogos de tabuleiro, traduzindo as regras para português, quando o jogo estava à procura de financiamento no Kickstarter. 



Magic the Gathering. Um dos jogos de cartas que adquiriu um estatuto de notoriedade invulgar. Um duelo em mundos mágicos, usando cartas com nomes e poderes específicos. Dotado de um conjunto de mecânicas que promovem uma elevada interação, permitindo ativar cartas, atacar, defender, contra-atacar, aumentar ou interromper efeitos, ou até interromper as próprias interrupções. Alimentado por uma edição continuada de novas cartas e conjuntos, possibilita a construção de baralhos à medida do gosto, do conhecimento, e da carteira. A estratégia antes e durante o jogo. Os torneios. O colecionismo. Custa a crer que esta ideia de Richard Garfield já fez trinta anos!



Cartas tradicionais. Póquer. Tarot. Baralhos de diferentes tamanhos e composição. Um sem número de jogos para todos os gostos, transmitidos oralmente, compilados em revistas e livros, disponíveis na internet. Com variantes regionais ou nacionais. Cabendo num bolso. Sem texto, facilitando a partilha global. Prestando-se ainda, haja habilidade para tal, a truques de magia ou a manipulações complexas!

14 de dezembro de 2024

Notas de uma exposição - Os jogos saem do plano!

 

Tabuleiros e peças de cartão são componentes comuns a muitos jogos do tabuleiro, remetendo para o plano e a vida a duas dimensões. Mas não tem de ser assim. Nem nos jogos que usam, de facto, um tabuleiro como parte essencial, nem naqueles que se jogam sobre uma mesa e prescindem do tabuleiro. Os exemplos abundam, e atravessam décadas.



Um para todos. Um jogo que já passou pelo blog. Uma questão de equilíbrio, sempre instável. Optando entre colocações mais seguras ou de maior risco. Tentando condicionar as opções dos adversários. E, quando o desastre ocorre, apanhando todos os palhaços caídos. Criação que remonta ao início da década de 1970, da autoria de Theo e Ora Coster, fundadores da Theora Design, Israel. 



Quarto. Uma das muitas ramificações do Jogo do Galo. Quarto porque o alinhamento é de quatro elementos. Mas que se desdobram em múltiplas possibilidades, porque cada peça tem ela própria quatro atributos: cor clara ou escura, baixa ou alta, de base circular ou quadrangular, oca ou cheia. Com um detalhe adicional: nós escolhemos a peça que o adversário vai colocar! Um jogo de Blaise Muller (1991).



Tokyo Highway. O jogo que, invariavelmente, despertou mais curiosidade nos visitantes! Uma instalação de cores e formas sóbrias, pontuada por pequenos automóveis coloridos. Como se jogaria? É uma mistura de jogo de estratégia e de destreza. Construindo a nossa estrada, com segmentos sempre do mesmo tamanho, e que nunca tem troços planos. Construindo pilares, de forma a passar por cima, ou por baixo, dos caminhos já traçados. Evitando obstáculos. Da autoria de Naotaka Shimamoto e Yoshiaki Tomioka (2018).



Santorini. Em tons de branco e azul, imagem apelativa da ilha grega e na mesa de jogo. A ilha vai ganhando forma à medida que as construções são erguidas. Primeiro, movemos um dos nossos construtores, depois colocamos um andar de uma casa, construindo um andar de cada vez, encimando com uma cúpula azul. O objetivo: ser o primeiro a chegar ao topo. Com a possibilidade de jogarmos com figuras mitológicas, cada uma com o seu poder próprio. Uma invenção de Gord! (2016).



Photosynthesis. Um jogo de luz e de sombras, literalmente. Com o Sol que roda em torno do tabuleiro, árvores que vão crescendo e lançam não só sementes, mas também as suas sombras, sombras que impedem o crescimento de outras árvores. Uma luta constante, antecipando a próxima rotação do Sol, procurando ocupar o espaço, almejando fazer crescer as árvores, para depois as cortar. Descobre mais aqui. Um sonho de Hjalmar Hach (2017), servido pela arte de Sabrina Miramon

11 de dezembro de 2024

Notas de uma exposição - A preparação

 

Primeiro, uma visita de reconhecimento ao espaço. Depois, vieram as medidas e esboços, números e formas. Dois expositores triplos com gavetas, sete verticais com quatro prateleiras cada, cinco cubos, duas mesas grandes com cobertura de vidro. Comprimentos, larguras e alturas. Estabelecendo limites para os jogos a expor, ou, mais apropriadamente, para partes de jogos. Sim, porque alguns jogos requerem muito espaço para serem vistos de forma completa, ou para serem jogados; outros desenvolvem-se mesmo em três dimensões.

O processo evoluía de forma interligada: a disposição de expositores na sala, os temas para os módulos, a escolha de jogos, a configuração de cada jogo. Cada parte influenciando as outras. Traçando plantas no ecrã do computador, na cartolina sobre a mesa, e até no chão. Abrindo caixas e examinando componentes. Montando e desmontando jogos. Imaginando a presença na sala de exposições. Fotografando alternativas para seleção e para depois reproduzir aquando da montagem. Um estaleiro em casa.

Temas e jogos. Os jogos saem do plano! Palavras e Cartas, matéria-prima para jogos. Clássicos intemporais de estratégia. Cruzamentos com a Literatura, o Cinema e os Jogos Digitais. Agentes de mudança. Livros e miniaturas. Petróleo, CO2 e conhecimento. O desenvolvimento de um jogo. Que jogo sou? Nuvem de palavras.

Depois, era preciso pensar num conjunto de outros elementos: uma apresentação de slides para apoio durante a inauguração e para poder ser visualizada pelos visitantes, textos informativos, cartazes e folhetos, conteúdos para páginas web, uma lista para efeitos de seguro. Felizmente podia contar com a experiência da Margarida nestas andanças, para colmatar a ausência da minha, e com a equipa dos Serviços de Biblioteca, Documentação e Museologia da Universidade, para a produção de materiais e instalação.

A não esquecer, na lista de tarefas, o convite atempado a um criador de jogos norte-americano, para uma conversa à distância, e a preparação para atuar como facilitador, revisitando jogos, entrevistas anteriores, e textos.

O tempo escoava-se depressa, mas a exposição ia tomando forma!

4 de dezembro de 2024

Notas de uma exposição - O conceito


Tinham passado cerca de dezoito meses desde o convite, por entre aqueles tempos estranhos de relação intermitente com a pandemia. Estavam finalmente reunidas as condições para retomar o projeto. A exposição mantinha-se inserida nas iniciativas do American Corner da Biblioteca da Universidade de Aveiro, mas foi ganhando uma nova dimensão: a sala Hélène Beauvoir como espaço, mais amplo e acessível; expositores adicionais e com diferentes dimensões, significando mais jogos; e a possibilidade de fazer uma conversa à distância com um convidado americano. Desafio acrescido!

Altura, pois, de trabalhar o conceito da exposição. Os olhos percorriam as estantes. Caixas de diferentes cores e formatos. Algumas mais brilhantes, outras mostrando sinais do passar do tempo e do uso. Jogos do ano em curso, jogos com poucos anos, jogos com mais anos, jogos ainda mais antigos. Evocando memórias de tempos de jogo analógico, bem antes do digital chegar. Afinal, sou uma criatura da era 2AC: Antes de Catan, até Antes do Computador. Contrastando com a descoberta dos jogos de tabuleiro bem depois dos videojogos, que é feita agora pelas criaturas nascidas na era digital.

E assim surgiu o mote! Jogando desligado: cinco décadas de jogos de tabuleiro. Dos meus jogos de tabuleiro, numa perspetiva, portanto, pessoal, e não dos jogos representativos desta indústria, que lança novos jogos a uma velocidade vertiginosa. Tendo por objetivo mostrar diferentes tipos de jogos, a relação com o seu próprio tempo, a diversidade de temas, de processos, de componentes e de materiais. Com uma piscadela ao processo de criação de jogos. Com uma organização por módulos, para guiar o visitante através do espaço. Com informação sintética, mas suficiente para um primeiro contacto. Com uma pitada de interatividade.
 
Próximo passo: definir e conceber os módulos.

1 de dezembro de 2024

Notas de uma exposição - O convite

 

Os jogos não têm por hábito sair de casa, com exceção da presença nuns encontros de família, umas viagens em tempo de férias, ou alguns dias aqui ou ali. É certo que alguns, poucos, como o gamão de viagem, uns baralhos de cartas e uns dados de póquer, fizeram já milhares de quilómetros, entre aviões, comboios, automóveis e bicicletas. E alguns outros visitaram mesmo sítios de inspiração para a sua criação, como as peças de Glen More que foram a Loch Ness e outros lugares da Escócia. Mas, por norma, e durante a maior parte do ano, conhecem apenas o trajeto entre estantes e mesas, e não vêm muitas pessoas.

Até que um dia, no meio de uma das nossas conversas, a Margarida Almeida me perguntou “Queres organizar uma exposição de jogos de tabuleiro?”. A primeira reação foi de surpresa. Nunca tinha olhado para os meus jogos como uma coleção, muito menos com uma coleção visitável, com interesse para outros. Eram jogos para usar, de diversos modos. Bem, pensando melhor, havia, de facto, algo de colecionismo, com jogos adquiridos sabendo de antemão que seriam pouco jogados. Adquiridos pelo tema, pelos processos, pela complexidade, ou pela arte, mas mais por decisões avulsas do que por um propósito específico. 

À surpresa inicial foram-se sucedendo questões várias, sinal de que o desafio lançado estava, desde logo, aceite. Como se concebe uma exposição, partindo do grau zero de experiência. Para que público. Com que tema condutor e possíveis ramificações. Com que grau de interação. Como se gere o espaço. Como se organizam os expositores, ou melhor, os jogos dentro de expositores. O que será necessário em termos de materiais de apoio e informação. Mais perguntas que respostas, mas sabia que podia contar com a experiência e criatividade da Margarida! 

No entanto, por essa mesma altura, adensavam-se sombras negras sobre o mundo. Sombras que se aproximavam, vindas de longe, transformando qualquer sentido de normalidade à sua passagem. E que acabaram, inevitavelmente, por chegar, remetendo a vida que lhes resistia um confinamento que se estendia, numa suspensão indefinida, realidade irreal. Estávamos em dois mil e vinte e a pandemia chegara. Restava aguardar por um futuro.