Os jogos não têm por hábito sair de casa, com exceção da presença nuns encontros de família, umas viagens em tempo de férias, ou alguns dias aqui ou ali. É certo que alguns, poucos, como o gamão de viagem, uns baralhos de cartas e uns dados de póquer, fizeram já milhares de quilómetros, entre aviões, comboios, automóveis e bicicletas. E alguns outros visitaram mesmo sítios de inspiração para a sua criação, como as peças de Glen More que foram a Loch Ness e outros lugares da Escócia. Mas, por norma, e durante a maior parte do ano, conhecem apenas o trajeto entre estantes e mesas, e não vêm muitas pessoas.
Até que um dia, no meio de uma das nossas conversas, a Margarida Almeida me perguntou “Queres organizar uma exposição de jogos de tabuleiro?”. A primeira reação foi de surpresa. Nunca tinha olhado para os meus jogos como uma coleção, muito menos com uma coleção visitável, com interesse para outros. Eram jogos para usar, de diversos modos. Bem, pensando melhor, havia, de facto, algo de colecionismo, com jogos adquiridos sabendo de antemão que seriam pouco jogados. Adquiridos pelo tema, pelos processos, pela complexidade, ou pela arte, mas mais por decisões avulsas do que por um propósito específico.
À surpresa inicial foram-se sucedendo questões várias, sinal de que o desafio lançado estava, desde logo, aceite. Como se concebe uma exposição, partindo do grau zero de experiência. Para que público. Com que tema condutor e possíveis ramificações. Com que grau de interação. Como se gere o espaço. Como se organizam os expositores, ou melhor, os jogos dentro de expositores. O que será necessário em termos de materiais de apoio e informação. Mais perguntas que respostas, mas sabia que podia contar com a experiência e criatividade da Margarida!
No entanto, por essa mesma altura, adensavam-se sombras negras sobre o mundo. Sombras que se aproximavam, vindas de longe, transformando qualquer sentido de normalidade à sua passagem. E que acabaram, inevitavelmente, por chegar, remetendo a vida que lhes resistia um confinamento que se estendia, numa suspensão indefinida, realidade irreal. Estávamos em dois mil e vinte e a pandemia chegara. Restava aguardar por um futuro.
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