14 de dezembro de 2024

Notas de uma exposição - Os jogos saem do plano!

 

Tabuleiros e peças de cartão são componentes comuns a muitos jogos do tabuleiro, remetendo para o plano e a vida a duas dimensões. Mas não tem de ser assim. Nem nos jogos que usam, de facto, um tabuleiro como parte essencial, nem naqueles que se jogam sobre uma mesa e prescindem do tabuleiro. Os exemplos abundam, e atravessam décadas.



Um para todos. Um jogo que já passou pelo blog. Uma questão de equilíbrio, sempre instável. Optando entre colocações mais seguras ou de maior risco. Tentando condicionar as opções dos adversários. E, quando o desastre ocorre, apanhando todos os palhaços caídos. Criação que remonta ao início da década de 1970, da autoria de Theo e Ora Coster, fundadores da Theora Design, Israel. 



Quarto. Uma das muitas ramificações do Jogo do Galo. Quarto porque o alinhamento é de quatro elementos. Mas que se desdobram em múltiplas possibilidades, porque cada peça tem ela própria quatro atributos: cor clara ou escura, baixa ou alta, de base circular ou quadrangular, oca ou cheia. Com um detalhe adicional: nós escolhemos a peça que o adversário vai colocar! Um jogo de Blaise Muller (1991).



Tokyo Highway. O jogo que, invariavelmente, despertou mais curiosidade nos visitantes! Uma instalação de cores e formas sóbrias, pontuada por pequenos automóveis coloridos. Como se jogaria? É uma mistura de jogo de estratégia e de destreza. Construindo a nossa estrada, com segmentos sempre do mesmo tamanho, e que nunca tem troços planos. Construindo pilares, de forma a passar por cima, ou por baixo, dos caminhos já traçados. Evitando obstáculos. Da autoria de Naotaka Shimamoto e Yoshiaki Tomioka (2018).



Santorini. Em tons de branco e azul, imagem apelativa da ilha grega e na mesa de jogo. A ilha vai ganhando forma à medida que as construções são erguidas. Primeiro, movemos um dos nossos construtores, depois colocamos um andar de uma casa, construindo um andar de cada vez, encimando com uma cúpula azul. O objetivo: ser o primeiro a chegar ao topo. Com a possibilidade de jogarmos com figuras mitológicas, cada uma com o seu poder próprio. Uma invenção de Gord! (2016).



Photosynthesis. Um jogo de luz e de sombras, literalmente. Com o Sol que roda em torno do tabuleiro, árvores que vão crescendo e lançam não só sementes, mas também as suas sombras, sombras que impedem o crescimento de outras árvores. Uma luta constante, antecipando a próxima rotação do Sol, procurando ocupar o espaço, almejando fazer crescer as árvores, para depois as cortar. Descobre mais aqui. Um sonho de Hjalmar Hach (2017), servido pela arte de Sabrina Miramon

11 de dezembro de 2024

Notas de uma exposição - A preparação

 

Primeiro, uma visita de reconhecimento ao espaço. Depois, vieram as medidas e esboços, números e formas. Dois expositores triplos com gavetas, sete verticais com quatro prateleiras cada, cinco cubos, duas mesas grandes com cobertura de vidro. Comprimentos, larguras e alturas. Estabelecendo limites para os jogos a expor, ou, mais apropriadamente, para partes de jogos. Sim, porque alguns jogos requerem muito espaço para serem vistos de forma completa, ou para serem jogados; outros desenvolvem-se mesmo em três dimensões.

O processo evoluía de forma interligada: a disposição de expositores na sala, os temas para os módulos, a escolha de jogos, a configuração de cada jogo. Cada parte influenciando as outras. Traçando plantas no ecrã do computador, na cartolina sobre a mesa, e até no chão. Abrindo caixas e examinando componentes. Montando e desmontando jogos. Imaginando a presença na sala de exposições. Fotografando alternativas para seleção e para depois reproduzir aquando da montagem. Um estaleiro em casa.

Temas e jogos. Os jogos saem do plano! Palavras e Cartas, matéria-prima para jogos. Clássicos intemporais de estratégia. Cruzamentos com a Literatura, o Cinema e os Jogos Digitais. Agentes de mudança. Livros e miniaturas. Petróleo, CO2 e conhecimento. O desenvolvimento de um jogo. Que jogo sou? Nuvem de palavras.

Depois, era preciso pensar num conjunto de outros elementos: uma apresentação de slides para apoio durante a inauguração e para poder ser visualizada pelos visitantes, textos informativos, cartazes e folhetos, conteúdos para páginas web, uma lista para efeitos de seguro. Felizmente podia contar com a experiência da Margarida nestas andanças, para colmatar a ausência da minha, e com a equipa dos Serviços de Biblioteca, Documentação e Museologia da Universidade, para a produção de materiais e instalação.

A não esquecer, na lista de tarefas, o convite atempado a um criador de jogos norte-americano, para uma conversa à distância, e a preparação para atuar como facilitador, revisitando jogos, entrevistas anteriores, e textos.

O tempo escoava-se depressa, mas a exposição ia tomando forma!

4 de dezembro de 2024

Notas de uma exposição - O conceito


Tinham passado cerca de dezoito meses desde o convite, por entre aqueles tempos estranhos de relação intermitente com a pandemia. Estavam finalmente reunidas as condições para retomar o projeto. A exposição mantinha-se inserida nas iniciativas do American Corner da Biblioteca da Universidade de Aveiro, mas foi ganhando uma nova dimensão: a sala Hélène Beauvoir como espaço, mais amplo e acessível; expositores adicionais e com diferentes dimensões, significando mais jogos; e a possibilidade de fazer uma conversa à distância com um convidado americano. Desafio acrescido!

Altura, pois, de trabalhar o conceito da exposição. Os olhos percorriam as estantes. Caixas de diferentes cores e formatos. Algumas mais brilhantes, outras mostrando sinais do passar do tempo e do uso. Jogos do ano em curso, jogos com poucos anos, jogos com mais anos, jogos ainda mais antigos. Evocando memórias de tempos de jogo analógico, bem antes do digital chegar. Afinal, sou uma criatura da era 2AC: Antes de Catan, até Antes do Computador. Contrastando com a descoberta dos jogos de tabuleiro bem depois dos videojogos, que é feita agora pelas criaturas nascidas na era digital.

E assim surgiu o mote! Jogando desligado: cinco décadas de jogos de tabuleiro. Dos meus jogos de tabuleiro, numa perspetiva, portanto, pessoal, e não dos jogos representativos desta indústria, que lança novos jogos a uma velocidade vertiginosa. Tendo por objetivo mostrar diferentes tipos de jogos, a relação com o seu próprio tempo, a diversidade de temas, de processos, de componentes e de materiais. Com uma piscadela ao processo de criação de jogos. Com uma organização por módulos, para guiar o visitante através do espaço. Com informação sintética, mas suficiente para um primeiro contacto. Com uma pitada de interatividade.
 
Próximo passo: definir e conceber os módulos.

1 de dezembro de 2024

Notas de uma exposição - O convite

 

Os jogos não têm por hábito sair de casa, com exceção da presença nuns encontros de família, umas viagens em tempo de férias, ou alguns dias aqui ou ali. É certo que alguns, poucos, como o gamão de viagem, uns baralhos de cartas e uns dados de póquer, fizeram já milhares de quilómetros, entre aviões, comboios, automóveis e bicicletas. E alguns outros visitaram mesmo sítios de inspiração para a sua criação, como as peças de Glen More que foram a Loch Ness e outros lugares da Escócia. Mas, por norma, e durante a maior parte do ano, conhecem apenas o trajeto entre estantes e mesas, e não vêm muitas pessoas.

Até que um dia, no meio de uma das nossas conversas, a Margarida Almeida me perguntou “Queres organizar uma exposição de jogos de tabuleiro?”. A primeira reação foi de surpresa. Nunca tinha olhado para os meus jogos como uma coleção, muito menos com uma coleção visitável, com interesse para outros. Eram jogos para usar, de diversos modos. Bem, pensando melhor, havia, de facto, algo de colecionismo, com jogos adquiridos sabendo de antemão que seriam pouco jogados. Adquiridos pelo tema, pelos processos, pela complexidade, ou pela arte, mas mais por decisões avulsas do que por um propósito específico. 

À surpresa inicial foram-se sucedendo questões várias, sinal de que o desafio lançado estava, desde logo, aceite. Como se concebe uma exposição, partindo do grau zero de experiência. Para que público. Com que tema condutor e possíveis ramificações. Com que grau de interação. Como se gere o espaço. Como se organizam os expositores, ou melhor, os jogos dentro de expositores. O que será necessário em termos de materiais de apoio e informação. Mais perguntas que respostas, mas sabia que podia contar com a experiência e criatividade da Margarida! 

No entanto, por essa mesma altura, adensavam-se sombras negras sobre o mundo. Sombras que se aproximavam, vindas de longe, transformando qualquer sentido de normalidade à sua passagem. E que acabaram, inevitavelmente, por chegar, remetendo a vida que lhes resistia um confinamento que se estendia, numa suspensão indefinida, realidade irreal. Estávamos em dois mil e vinte e a pandemia chegara. Restava aguardar por um futuro.