16 de fevereiro de 2019

E a Vida continua ... com Don Woods!


Em “É a Vida!” abordei o Jogo da Vida, de John Conway, e uma das versões a dois, Imigração, desenvolvida por Don Woods.

Ora este mundo de interligações em que vivemos proporciona possibilidades e acontecimentos inesperados: uma pesquisa, um endereço encontrado, uma mensagem enviada, uma resposta que foi parar ao spam, a sua recuperação muitos dias depois.

Tudo facilitado pela tecnologia, mas só realmente possível pela gentileza das pessoas: Don Woods, ele próprio, teve a amabilidade de partilhar algumas memórias e responder a um conjunto de questões enviadas por este desconhecido, a milhares de quilómetros de distância, a propósito de um jogo criado há umas décadas!

Um bom pretexto para revisitar Imigração, e um pouco mais.

Ironicamente, numa etapa da sua carreira de programador (que inclui empresas como Sun Microsystems, Xerox, e outras que vieram a ser adquiridas pela Microsoft e pela Google), Don trabalhou numa empresa de serviços relacionados com filtragem de spam. E eu quase perdi a sua resposta por causa de um filtro de spam!

Desde sempre um fã de jogos, Don Woods criou, com Will Crowther, nos anos 70, o jogo de computador Adventure, considerado o primeiro jogo de ficção interativa em que o jogador introduzia os seus comandos em linguagem natural. Como veremos pela escolha de jogos, o gosto pela aventura continua.

Não admira, por isso, que, combinando o entusiasmo pelos jogos, a programação e a abordagem lógica e matemática que lhe está inerente, tenha tentado transformar o abstrato Jogo da Vida, mais contemplativo, num jogo para dois. Nas suas próprias palavras.

Tenho interesse por jogos desde muito novo, por isso não me parece surpreendente que eu quisesse encontrar uma versão da Vida para dois jogadores, mas já não me lembro de uma inspiração específica.”

Ou, talvez mais apropriadamente, num conceito de jogo.

Devo confessor que, na altura em que me surgiu a ideia para Imigração, eu era ainda muito inexperiente no desenvolvimento de jogos, pelo que estava principalmente a tentar descobrir o que tornaria o jogo interessante. Também não recordo muitos testes do jogo, pelo que o jogo é, essencialmente, hipotético.”

E clarificando, sobre o jogo em tabuleiro:

Tenho a certeza de que nunca fiz nenhuma análise profunda de Vida, a não ser em computador”.

Uma parte da troca de mensagens incidiu sobre a mecânica do próprio jogo, alternativas ou possíveis evoluções. Relembro que em Imigração as intervenções dos jogadores se fazem apenas de 10 em 10 jogadas, sendo o resto do jogo ocupado pelo desenvolvimento automático do “organismo”, de acordo com as regras de nascimento e morte de células.

O intervalo de 10 gerações foi uma escolha arbitrária que pode, sem dúvida, beneficiar de um ajuste fino. Tornar possível a intervenção dos jogadores em todas as jogadas seria claramente demasiado caótico, mas é possível que o intervalo certo possa ser mais curto ou mais longo, ou até ir crescendo à medida que o jogo progride, para tornar mais possível a recuperação de um jogador com uma posição em declínio.”

Em “É a Vida!” eu tinha aventado a hipótese de inverter a ordem de jogada: não o jogador com uma população maior, mas dar a iniciativa ao jogador em desvantagem. Ora, de modo interessante, nem sempre a iniciativa é o fator mais importante, e pode, até, induzir efeitos adversos, como relembra Don Woods:

Em relação a qual jogador deve ser o primeiro a adicionar o seu imigrante, penso que a posição mais forte deve ser a primeira adicionar, de modo a que o jogador mais fraco possa reagir e limitar o dano. Se o jogar mais fraco tem de jogar primeiro, a posição forte fica livre seja para contrariar essa jogada, seja fazer um ataque que não pode ser contrabalançado.

E ainda sobre a hipótese de uma variante para mais do que dois jogadores:

Lembro-me de pensar um pouco sobre suportar mais jogadores, e tenho a certeza de que vi regras para autómatos com mais de três estados (incluindo vazio). A parte complicada é encontrar uma regra para determina que jogador “detém” a nova célula que nasce. Uma vez que são precisos, exatamente, três vizinhos para gerar um novo nascimento, era fácil criar uma regra para dois jogadores, baseando-a na maioria. Com 4 jogadores poder-se-ia definir que a nova célula pertence ao jogador que detém 2-3 vizinhos, ou para o 4.º jogador se os três vizinhos forem todos diferentes. Mas nunca experimentei algo deste género.”

Reflexões interessantes sobre a noção de vizinhança, e as suas implicações, com potenciais aplicações para o desenvolvimento de jogos de tabuleiro!

A lista de preferências de Don Woods, cobrindo diferentes fases, inclui jogos como Titan (Avalon Hill, 1980), Empire Builders (Mayfair Games, 1982), Wizards (Avalon Hill, 1982). Race for the Galaxy, desde a fase de pré-publicação, e Dominion (Rio Grande Games, 2007 e 2008). Para além de jogos de computador.

Muitos dos melhores jogos dos últimos anos continuam a ser jogos abstratos, no seu núcleo, mesmo se há um tema e uma estrutura sobreposta à mecânica. Tendo a preferir jogos com um elemento de aleatoriedade, para manter a novidade e não ficar atolado em análise. (Azul é um bom exemplo recente)”. 

E já agora, quanto a jogos “de hoje” as preferências vão para Terraforming Mars, Gloomhaven e Azul.

Para terminar, uma palavra sobre o bichinho da criação:

Normalmente não crio jogos, mas tenho vários amigos que o fazem, e assim satisfaço a minha “comichão” de autor testando os jogos deles e oferecendo sugestões.

Muito obrigado, Don!

P.S. – O Jogo da Vida de Conway e os autómatos celulares com ele relacionados continuam vivos: http://www.conwaylife.com/

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