18 de dezembro de 2018
Igrok - O Jogador
"As chusmas, nas salas de jogo, eram terrivelmente compactas. Que descaramento e que cobiça em toda aquela gente! Rompi para o centro e fui pôr-me ao lado do croupier; depois comecei com tentativas tímidas, apostando duas ou três moedas de cada vez. Entretanto, observava e anotava mentalmente; vi que o cálculo, em si, pouco significa e não tem a importância que lhe atribuem muitos jogadores. Esses estão sentados, com folhas de tabelas à frente, apontam as jogadas, contam, deduzem probabilidades, calculam, por fim apostam e... perdem do mesmo modo que nós, simples mortais que jogamos sem calcular.
Apesar disso, cheguei a uma conclusão que me parece certa: de facto, na sequência de possibilidades ocasionais, existe, se não um sistema, pelo menos uma certa ordem - o que é sem dúvida muito estranho. Acontece, por exemplo, que depois dos doze números do meio saem os doze últimos; estes batem duas vezes, digamos, e depois passam a calhar os doze primeiros. Depois dos doze primeiros a roleta pára nos doze intermédios, três ou quatro vezes seguidas, passando depois para os doze finais, dos quais passa, depois de duas vezes, como antes, para os doze primeiros que voltam a sair uma vez, a seguir a bola pára três vezes nos números do meio, e assim por diante durante uma hora e meia ou duas. Uma, três, duas; uma, três, duas.
É muito divertido.
Durante um dia ou durante uma manhã acontece, por exemplo, que o vermelho alterna com o preto e vice-versa quase sem qualquer ordem, sem que o vermelho nem o preto saiam mais de duas ou três vezes seguidas. Mas no dia seguinte ou na noite seguinte acontece o vermelho calhar mais de vinte e duas vezes seguidas e continuar assim durante algum tempo, por exemplo o dia todo.
Muitas destas coisas explicou-me mister Astley, que passou uma manhã inteira junto às mesas de jogo sem apostar uma única vez.
Quanto a mim, perdi tudo até ao último tostão e rapidamente. Apostei no par vinte fredericos e ganhei; apostei cinco e voltei a ganhar, e deste modo mais duas ou três vezes. Acho que, em cinco minutos, fiquei com uns quatrocentos fredericos. Nessa altura deveria ter ido embora, mas nasceu em mim uma estranha sensação, um desafio ao destino, um desejo de o afrontar, de lhe mostrar a língua. Apostei o máximo permitido, quatro mil florins, e perdi. Depois, desnorteado, tirei tudo o que tinha, apostei no mesmo e voltei a perder, após o que abandonei a mesa, aturdido."
Dostoiévsi, Fiódor. O Jogador - Romance (Dos apontamentos de um jovem). Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. 2001. Editorial Presença.
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