30 de dezembro de 2022

Sobre Reis e Rainhas, tróis, duendes e mais

 


A última sessão tinha terminado, e o dia de trabalho estava concluído. O elevador traz-me de volta ao rés-do-chão. A porta lança-me na agitação da cidade, onde a noite já se instalou. Não chove, o ar é frio, mas não em demasia, bom o suficiente para caminhar. E isso é muito melhor do que mergulhar nos túneis subterrâneos, para logo emergir noutro lugar, como se saltasse entre dois pontos sem ligação. É final de novembro, e são dezoito horas.

Da rotunda Robert Schuman, em direção ao centro da cidade. Um passeio Rue de La Loi abaixo. As ruas estão inundadas de luz, dos candeeiros sobre os passeios, dos carros em movimento lento, lançando linhas de branco e deixando rastos de vermelho, e das scooters elétricas e bicicletas, em movimento rápido. 

Atravesso a Rue Royale para entrar no centro da cidade, em forma de pentágono. Mais à frente, à direita, a Catedral de São Michel e São Gudule. Algumas ruas depois, a Place du Marché aux Herbes. Nomes e vistas familiares, talvez porque já aqui estive antes, por três ou quatro ocasiões, sempre relacionadas com trabalho. A primeira provavelmente na década de 1990, e a última no início de 2018, para uma entrevista de trabalho no Parlamento Europeu. Sim, isto é Bruxelas.

Depois, a Grande Place, com a sua árvore de Natal engalanada, e sinos ressoando muito ao fundo. Centros comerciais, lojas de rua, cafés e restaurantes. Luzes e sons. Pessoas movendo-se apressadas, de sacos na mão. Outras em conversas ruidosas. Ainda outras contemplando apenas, tirando fotografias, congelando o momento, para o agora ou o depois. Compradores, turistas e residentes. Locais e nacionais, ou estrangeiros como eu.  




São agora dezanove horas. Está na hora de me dirigir ao próximo destino, seguindo uma das sugestões, relacionadas com jogos, do Orlando Sá. Um lugar aberto por estas horas, e onde poderei comer algo. 

Uma curta caminhada, de uns cinco minutos, até uma rua com um nome apropriado para esta demanda, a Rue du Fossé aux Loups, ou Wolvengracht. Bem, parece que o nome da rua estará mais ligado a alguém chamado Wolf do que às ditas criaturas, mas ainda assim... O local é fácil de identificar, graças às grandes letras por cima da porta: Kings & Queens. Sim, é aqui, um Café de Jogos de Tabuleiro. Isto lembra-me que ainda devo uma visita ao A Jogar é que a Gente se Entende, em Portugal. Uma promessa para cumprir em 2023!

O lugar está praticamente deserto, não fossem dois pares envolvidos num qualquer jogo com miniaturas, perto da porta, e um casal ao balcão, bebericando cocktails, envolvidos numa conversa com o barman. Escolhi uma das muitas mesas vazias, de ótimo tamanho para jogos, diga-se. Coloco o casaco nas costas de uma das cadeiras e o caderno sobre a mesa. Em fundo, os Linkin Park tocam, depois será a vez dos Queen. Um ambiente acolhedor.

O conceito do Bar é simples. Por cinco euros por pessoa é possível jogar à vontade, tudo o que se quiser, recorrendo à biblioteca de jogos no local. É até possível contar com ajuda para aprender as regras. Jogar não está no meu menu para hoje, mas uma pizza saborosa e uma Cuvée des Trolls, uma cerveja belga com história – que mais poderia ser? – servirão perfeitamente.

Primeiro, a obrigatória vista de olhos à biblioteca de jogos. São mais de trezentos, alinhados nas prateleiras, de jogos ligeiros a euros médios, e a clássicos pesos pesados. Capas familiares em exposição: Takenoko, Wingspan, Anachrony, e muitos, muitos mais.

Regresso à mesa. O movimento continua a ser escasso. Um grupo de três pessoas à procura de algum jogo, sentando-se e preparando-se para jogar. Mais duas, entrando e saindo. Será por causa da época de festas que se avizinha, por ser um final de tarde a meio da semana, ou o efeito secundário de mais uma greve ferroviária?



Decido juntar-me a Thomas, o barman, ao balcão, e ficar a conhecer um pouco mais sobre o local. À medida que a conversa fluía, o meu francês ia voltando à superfície, ainda que algo enferrujado. 

Tendo aberto há pouco mais de quatro anos, viu as restrições associadas à pandemia estarem em vigor durante uma parte substancial da sua existência. Sobreviveu às dificuldades, e a uma renda para pagar no centro da cidade, sem grandes apoios. Temporariamente convertido em take-away, como tantos outros negócios similares, foi atenuando as perdas. Sobreviveu, mas não incólume, com projetos de remodelação adiados e apenas agora, gradualmente, voltando à plena ação.

O negócio parece estar em alta. Entre visitantes regulares e ocasionais, um dia de empresa realizado fora do escritório, ou sessões de fomento do espírito de equipa. Aparentemente, escolhi o que se revela ser o dia mais calmo das últimas três a quatro semanas.

Quanto a Thomas, trabalha aqui há cerca de um ano. Apaixonado pela arte de preparar e servir cocktails, algo que sempre achei fascinante, aprendeu os truques do ofício como barman de hotel. O conhecimento, a experimentação, a criatividade, a ligação entre pessoas, o desafio de proporcionar novas experiências, sugerindo, orientando. 

Das bebidas aos jogos, com tantos pontos em comum. A importância de conhecer o ofício e de compreender as pessoas sentadas ao balcão ou à volta das mesas. Dando a descobrir novos sabores, novos jogos, novas sensações. Criando um ambiente acolhedor, para que voltem uma e outra vez. Contribuindo, acima de tudo, para que as pessoas passem bons momentos em conjunto, à volta de uma bebida ou duas, de uma mesa com jogos de tabuleiro, ou até de ambas. O barman e o especialista em jogos de tabuleiro. O verdadeiro conhecedor de jogos é, aqui, Athanasios, o fundador e proprietário, mas que hoje não se encontra por cá.

A conversa deriva. O significado de ser belga. De viajar pelo mundo e escolher trabalhar em Bruxelas. As raízes das pessoas, espalhadas por todo o continente, Bélgica, Grécia, Luxemburgo, Portugal. E por todo o mundo. Nacionalismo e internacionalismo. Abertura e segregação. Companheirismo e divisões. Harmonia, lutas e perigos à espreita.

Bem, o tempo voa e eu despeço-me do Kings & Queens. Obrigado, Thomas! A caminhada de volta ao hotel, uma noite de sono, e uma viagem madrugadora para o aeroporto. Espero regressar e, da próxima vez, jogar alguns jogos!



https://www.facebook.com/KingsQueensCafe/

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