24 de outubro de 2021

Bem-vindo ao Escritório!



O exemplar do jogo foi cedido por Wonmin Lee, criador e editor de Welcome to Sysifus Corp, para a escrita da história que encontrarão mais abaixo.

O meu primeiro contacto com Wonmin Lee data de há dois anos, quase até ao dia. Estávamos em outubro de 2019, e tive a oportunidade de fazer alguns comentários ao livro de regras então disponível. Avançando rapidamente (ou não tão rapidamente) um ano, o jogo preparava-se para ser lançado no Kickstarter, onde acabaria por obter financiamento. 

Em setembro deste ano, Sysifus Corp foi finalmente publicado. E logo começou a procura por dedicados e ambiciosos colaboradores! Deixem-me então falar-vos do tempo que passei enquanto trabalhador da Sysifus Corp...




Foram dias cheios de esperança, ilusões e desilusões, que permanecem ainda frescos na minha memória. Também por culpa de vestígios desses tempos, dispersos pela casa, como este papel amarrotado, que parecia manter-se à espreita, por baixo da secretária. Com toda a certeza errei a pontaria e falhei o cesto dos papéis, naquele dia...

Lembro-me claramente do instante em que recebi “aquela” carta, assinada pelos Chefes! Dizia "Caro Empregado", e esse era eu! "É com grande prazer e orgulho que damos as boas-vindas à grande Família Sysifus Corp (...)". Tinha conseguido! 

Umas meras semanas antes, estava à procura de um novo emprego. Foi então que me deparei com um anúncio da Sysifus, com o seu característico aspeto minimalista e arejado, o fundo num branco forte, as formas geométricas sobressaindo, em roxo, verde e vermelho. Já tinha ouvido falar deles, nada muito específico, tanto quanto que me recordo, mas detinham uma aura considerável de empresa em rápido crescimento, envolvida em coisas de grande gabarito. Só muito mais tarde me viria a aperceber do posicionamento cuidadoso daquelas formas, o cubo empurrando o cilindro sobre a pirâmide, e o que tudo isso indiciava.

Mas não atalhemos a história. O trabalho parecia encaixar muito bem nas minhas características, e as perspetivas de uma carreira de rápida progressão fizeram o resto. Logo de seguida estava a burilar cuidadosamente uma carta de motivação e a atualizar o meu currículo. É preciso maximizar as hipóteses, e, no fim de contas, cada pequeno detalhe pode fazer a diferença! Pouco tempo depois, recebi a carta de confirmação.

 


A carta vinha acompanhada de um pacote de boas-vindas! Era por demais notório o empenho dos departamentos de Marketing e de Recursos Humanos: um Manual de Boas-Vindas aos Novos Colaboradores, cobrindo as bases das rotinas diárias; um Dossier de Referência das Políticas do Escritório, detalhando esses aspetos de índole mais obscura; e uma Folha de Dados de Colaborador, para monitorizar as ações diárias, complementada com pequenas notas úteis.

O lema da empresa, "Abrindo caminho até ao topo", estava presente em todo o lado, e eu já sonhava em chegar lá, ao topo, mesmo ainda antes de ter começado!

Não posso negar que havia alguns aspetos intrigantes. Primeiro, a existência de três chefes, e não apenas um. Depois, aquela pequena referência a mim como um “dente da maquinaria” da empresa, algo que não estava à espera no âmbito de uma visão empresarial; pensei que teria apenas o significado de começar devagar, antes de ser capaz de engrenar as mudanças mais poderosas. Por último, mas não menos importante, o ponto em quer eu era referido como um mero número, Empregado #318996, no Dossier de Referência. Um pouco impessoal, mas, quem sabe, mais eficiente.

Nada muito preocupante, pensei. 
Nada que arrefecesse o meu entusiasmo! 




Chegou o primeiro dia, e lá estava eu, às 8 h em ponto, no átrio da Sysifus Corp. Pequena surpresa, havia mais três recém-entrados, prontos para a sessão de enquadramento dos novos empregados. Passarei a chamá-los Ana, Artur e Alfredo, uma vez que não quero revelar a sua verdadeira identidade, por razões que mais tarde se tornarão claras. 

Pouco depois foram-nos entregues fatos de empresa, novinhos e coloridos, que nos identificavam facilmente como recém-chegados, aos olhos de toda a empresa, ao mesmo tempo que nos distinguiam uns dos outros. Estava-me destinado o de cor vermelha.

Logo de seguida, boas e más notícias. Comecemos pelas boas. Iríamos trabalhar em vários projetos, iniciando assim a construção do nosso percurso profissional. Tal deverá permitir reunir, em algum momento, com cada um dos Chefes, e obter reconhecimento pelos resultados alcançados. Parece-me bem! Depois, as más notícias, de choque: somos quatro e vamos competir por uma única oportunidade de promoção. Tornou-se imediatamente  palpável a tensão crescente, e eram indisfarçáveis os olhares nervosos! No fundo da minha mente ainda ecoam as palavras: "Não queremos colaboradores de fraco desempenho."

Era mais do que claro que isto não ia um passeio no parque, perdão, no escritório!




As tarefas diárias foram-nos brevemente descritas pelo nosso supervisor, embora este possa ser um rótulo exagerado, uma vez que estávamos, basicamente, por nossa conta desde o primeiro momento.
 
Assim, iremos realizar projetos, percorrer o escritório de projeto em projeto, elaborar memorandos, e fazer pesquisa, sempre com o objetivo de reunir com os Chefes, com cada um deles. As horas diárias de trabalho deverão ser distribuídas por três tarefas, não mais. Nada muito elaborado, nem muito complicado. E ainda bem, porque já basta irmos estar numa corrida, uns contra os outros.

Além do mais, deram-nos alguma margem de manobra individual, quanto ao caminho a seguir. Sentia-me confortável com isso, não tendo de seguir uma rotina muito rigorosa, de obedecer a ordens e instruções a toda a hora, ou de confiar cegamente nos outros recém-chegados, ex-futuros-colegas, agora adversários determinados. 




Os primeiros projetos a escolher.

É uma boa sensação!

Preparar, prontos, partida.




E aqui vamos nós. Aqui vou eu! Colocar. O primeiro projeto que iniciei. Deslocar-me. Os primeiros passos pelo escritório. Colocar novamente, mover-me novamente, ou pesquisar. Primeiras escolhas. E o início do meu percurso profissional, tanto metaforicamente como literalmente, enquanto percorremos diferentes secções do escritório, um passo mais próximo de um dos Chefes e do instante de Avaliação Final de Desempenho.

O ritmo começa a tornar-se frenético, já que somos quatro empregados competitivos, e não há tempo a perder. A Ana e o Artur foram para a esquerda, e estão, por enquanto, a partilhar o mesmo projeto. O Alfredo ainda está para trás, mas sem dúvida que também ele vai começar, em breve, a correr.




Há algumas coisas que vos devo contar sobre os projetos, e que não nos foram previamente divulgadas. Bem, não é inteiramente verdade, caso tenham lido minuciosamente o Manual de Boas-Vindas..., mas …, adiante.

Ao embarcar num projeto passas a integrar a equipa, e podes assim obter alguma influência dentro da empresa. Estás a fazer um trabalho útil e, portanto, começas a ser notado. Mas atenção, os projetos não são todos iguais. Alguns vão proporcionar mais influência, enquanto outros não de trarão nenhuma. Inversamente, alguns abrirão portas para mais direções, oferecendo oportunidades acrescidas de movimento, enquanto outros abrirão menos. É preciso escolher bem, equilibrando influência e progressão.

Outra nota: todos os projetos são da empresa, e não dos trabalhadores. Assim, todos os colaboradores têm acesso a todos os projetos em execução, podendo obter a correspondente influência sobre a empresa, independentemente de quem tenha iniciado o projeto. O acesso a cada projeto é apenas restrito fisicamente, ou seja, é mesmo imprescindível aceder à secção do projeto.




Tendo feito alguma pesquisa, durante este dia de trabalho, os meus olhos abriram-se para o mundo da Política do Escritório. Notem que isto é algo em que não sou muito bom... Mas sei que tenho de desenvolver muito rapidamente esta capacidade, se quero continuar a ter uma possibilidade de ser promovido.

Há o dialeto próprio da política, causas, consequências e danos colaterais. Em que cada ação acarreta um ónus, seja em termos de influência da empresa, uma vez que muitas ações não são propriamente populares, em termos políticos, comprometendo opções futuras, ou mesmo ambos. E existem diferentes usos para a Política do Escritório, afetando projetos, empregados, outras ações, ou mesmo a reação ativa a ações de outros colaboradores. E há ainda efeitos normais e efeitos melhorados. 

Tudo isto levará o seu tempo a dominar, mas o tempo é escasso...




Segue os post-it, disseram.  De projeto em projeto. Porque aqui não há nenhum software sofisticado de gestão que permita acompanhar os projetos ou assinalar os percursos pelo escritório; há apenas um monte de notas autocolantes para te guiar!

Isto constitui uma grande surpresa, numa empresa tão avançada como esta, mas talvez o segredo do sucesso seja precisamente o fazer as coisas de modo diferente. Em todo o caso, adaptei-me rapidamente ao método de colar notas por todo o lado. Iniciar novos projetos cuidadosamente, verificar notas, manipular projetos, se necessário verificar novamente as notas, deslocar-me, monitorizar a concorrência, continuar a mover-me, não parar.

Há momentos em que pareço ficar bloqueado num projeto, sem grandes opções para progredir. É então que chega o momento de recorrer ao memorando que nos foi entregue inicialmente, usando-o como substituto dos post-it. Mas atenção, os memorandos são tão preciosos quanto escassos. Os recursos aqui são geridos de forma parcimoniosa e a obtenção de novos memorandos custará tempo de trabalho.




Estava tudo a correr razoavelmente bem, até que, de repente, me senti empurrado para trás. Alguém roubou os louros do meu trabalho! Foi o Alfredo! 

Como resultado, fui subitamente alocado a um projeto diferente, o percurso profissional que estava a seguir foi interrompido, e fiquei agora um passo mais atrás em relação à concorrência e mais longe do Chefe. Senti a ferroada provocada pelo uso da Política de Escritório para travar a minha progressão. 

Agora começam a perceber porque é que não revelei a verdadeira identidade dos meus ex- colegas: as coisas iam tornar-se feias, e isto foi apenas o começo! Vamos lá, se é assim que querem atuar, também sei fazê-lo! Veremos quem aguenta mais!




Ao fim de vários dias de trabalho árduo, indo e vindo entre projetos, e lutando contra a competição, conseguiu finalmente reunir com um dos Chefes. Foi a primeira vez!

Como reconhecimento pela minha dedicação à empresa, recebi um Certificado de Realização, e pude escolher um bónus para usar a meu favor. Ainda dorido da punhalada pelas costas desferida pelo Alfredo, optei por mergulhar de cabeça na Política do Escritório, selecionando a possibilidade de me dedicar a pesquisas adicionais.

Sentir-me empoderado pelo Chefe foi satisfatório, mas estava bem ciente de que nós os quatro perseguimos o mesmo objetivo, percorrendo caminhos semelhantes, e sem refeições grátis no menu. 

Uma reunião com um Chefe significa que estão ainda duas por realizar, antes de me precipitar para a avaliação final de desempenho.




Já se tinham passado dias e semanas, e muito trabalho tinha sido realizado, enquanto me movia entre diferentes projetos.

Percorria, literalmente, projetos, para aumentar a minha influência na companhia e para alcançar os Chefes. Usava toda a influência adquirida para manipular, em meu favor, a situação que me rodeava, para dificultar a progressão dos três A’s, para tentar encontrar a via rápida para a progressão.

As coisas estavam a tornar-se cada vez mais caóticas.  Não havia aliados possíveis, quando muito meros acordos táticos para evitar que um de nós se destaque irreversivelmente, pondo fim à esperança. 




A Política do Escritório é omnipresente. Fui empurrado para trás por mais vezes do que consigo contar, não para a estaca zero, mas mesmo assim tendo de refazer os meus passos, e alterar a progressão da minha carreira, uma e outra vez. Foi aí que os dias começaram a parecer-se todos iguais. Projeto, movimento, pesquisa, memorando, política. Pesquisa. Política. Mover-me. Política. Projeto. Política. Política. Política.

"A chave para uma carreira de sucesso no mundo corporativo é saber utilizar a política do escritório", o 1%.

Comecei a pensar em envolver-me em manobras subversivas, adotando algumas políticas extremas. Coisas como inserir a minha própria opinião, quem imaginaria! Ou atiçar as chamas e ficar a ver as coisas a arder. Coisas fora do normal, como formar um grupo, para gerar uma massa crítica disruptiva e abalar os alicerces. Até pensei em reportar algumas situações aos RH, ou ficar simplesmente a mandriar.

Não vou mentir. Recorri a algumas dessas táticas, numa tentativa de sentir algum tipo de normalidade, ou de justiça. Sem sucesso.




De repente compreendi porque é que a empresa tem o nome de Sysifus Corporation! Sabem, não sou muito versado em história antiga, mas lembro-me que havia aquele tipo... um grego, penso eu... com um nome semelhante. Tinha uma espécie de escritório numa montanha, e projetos em forma de pedra. Empurrando sempre em direção ao topo, apenas para voltar ao início. Subindo e descaindo de novo, sem nunca terminar. Facto ou ficção, não importa. Parece-me bastante real, agora.

Comecei a ter um sonho recorrente com o logótipo da empresa! Sim, é verdade, o logótipo da empresa! Tem um cubo, vermelho, como a cor do meu fato, empurrando um cilindro roxo, subindo uma pirâmide verde…


Fi-lo até ao fim. 

Sobrevivi, mas não ileso.

Não recebi a cobiçada promoção.

Não quero ser um "dente na engrenagem da sua grande companhia". 

Sísifo já não mora aqui.

Despeço-me!

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