Seis. Mais coisa, menos coisa, a idade das primeiras experiências e primeiras memórias com jogos de tabuleiro. Antecedidos por outros jogos, de cores e formas, palavras e números, papel e lápis, dados e peças.
Sessenta. Anos com jogos. Anos de jogos. Descobrindo, aprendendo, explicando, experimentando. Em família, sempre. Com amigos. Com aqueles que se conhecem pela primeira vez à volta de uma mesa, numa qualquer cidade, sem fronteiras.
Seis. Os anos deste blog. Anos de descoberta de grupos e convenções, de pessoas que imaginem jogos antes de estes o serem na verdade, dos papéis diversos que se escondem por detrás de uma caixa, da indústria que os faz chegar até à nossa mesa.
Sessenta menos seis. Um esboço sobre os anos até ao blog, escrito para o número 3 da fanzine Joga Forte, uma das muitas iniciativas da Associação Cultural e Artística ARTMATRIZ. Uma forma apropriada de assinalar a data. Aqui fica o texto publicado.
Do Hobby à Indústria
Jogos. Sempre. Desde que me lembro. Aí por volta da primeira pegada na Lua. Coisas de família! Como os jogos de destreza, com o prego ou as pedrinhas em tardes de praia, ou o mikado sobre a mesa. Corridas de caricas em pistas improvisadas. O rapa rodopiando, entre a sorte e o azar. Brincando com palavras, ao americano e ao stop. Deduzindo com lápis e papel, em batalhas navais de barcos imóveis. As cartas, com a batalha, o burro, a bisca e a sueca. Perguntas e respostas, com o Sabichão. Ou os primeiros jogos do tabuleiro, como o Vamos às Compras ou A Volta ao Mundo.
A oferta era escassa, nos anos 70, assente sobretudo na Majora ou Karto, as principais editoras nacionais. Títulos como Monopólio, Futebol de Mesa, Fórmula 1, Munique 74, Bolsa, Petróleo, As eleições e os partidos, ou Hóquei em Patins, ocupavam a mesa, em casa ou em casa de amigos. A solo ia criando os jogos que não existiam, com as peças a ganharem vida própria, substituindo os jogadores ausentes. Usando os componentes de jogos, ou até bases e peças de lego, mapas e dados. Um mundo em cada jogo!
Os jogos abstratos iam conquistando o seu lugar próprio, sobretudo graças ao xadrez. Tanta estratégia por detrás de regras tão simples! Depois veio a competição, que se prolongou por décadas, mas isso são outras histórias.
Nessa época, o tempo fluía a outro ritmo e as férias de Verão duravam três meses! Tempo em abundância, escassez de jogos, e um parceiro regular como o Eduardo, foram os ingredientes certos para explorar os nossos jogos até ao limite e para além dele. Simulando campeonatos, as grandes voltas ciclistas, ou campanhas. Introduzindo assimetrias, porque o contava eram as personagens do mundo real, e nós éramos meros facilitadores de histórias. Tudo meticulosamente registado em pequenos cadernos.
Os jogos “diferentes” vinham então do estrangeiro, de Espanha por exemplo, nesse tempo pré-CEE. Os primeiros jogos verdadeiramente complexos. As primeiras recriações militares. Panzerblitz, Operação Barbarossa, Air Force, mais tarde as tensas negociações de um Diplomacy.
Por essa altura, descobria também os com miniaturas, graças à revista História, e a uma secção com regras para combates táticos da Segunda Guerra Mundial, assinada por Victor Amorim.
Mas foi a revista Jeux & Strátegie, que aparecia a cada dois meses num quiosque em pleno centro histórico de Guimarães, que muitas outras janelas se abriram! Uma revista com as últimas novidades dos mercados ainda inacessíveis. Artigos sobre jogos de todos os tipos, do tabuleiro aos jogos de personagem, das máquinas de calcular (!) aos primeiros computadores pessoais, das estratégias aos enigmas. E sempre com um jogo original para destacar e montar. Matéria de sonhos…
A década de 90 ficou marcada pelo aumento do número de jogadoras em casa, que passou para três 😊. E também por idas ao estrangeiro, que permitiam o acesso aos “outros” jogos, complementando os que se encontravam por cá. Na L’Impensé Radical, junto aos Jardins do Luxemburgo em Paris, ou em Londres (seria a Just Games?). Civilization, Ace of Aces, Speed Circuit, Squad Leader, Catan, Go, Mancala, Quarto.
Ao virar do milénio, o tempo para os jogos diminuíra, embora a coleção continuasse a crescer, à medida do que ia encontrando. Carcassonne, Alhambra, Keltis. E não me apercebi, de todo, da revolução que estava a acontecer neste meu hobby de sempre…
Foi só em 2018, quando decidi criar o blog A Preto e Branco, com textos e fotografias sobre os “meus” jogos, e procurei meios para o divulgar, que descobri a nova realidade dos jogos de tabuleiro. Grupos nas redes sociais, sites dedicados, plataformas de financiamento coletivo, encontros locais e convenções, produtores de conteúdos, criadores, a indústria. Pessoas. Muitas pessoas. Acessíveis. Com nome próprio. Muito diferente do tempo em que os jogos apenas continham a identificação da editora, e se jogava apenas com conhecidos.
Logo de seguida, a participação na primeira convenção, a InvictaCon de 2018, e os encontros dos
Boardgamers de Aveiro. E foi mais um pequeno passo até à primeira tradução de regras, do jogo Whales Destroying the World, da checa TimeSlugStudio.
Não tinha ainda a perfeita consciência de que estava a caminhar em direção à indústria. Mas os astros foram-se alinhando gradualmente. De forma vaga e imprecisa. Ao sabor do mote escolhido para o blog: Vagueando na terra dos jogos!
Mas isto é tema para a segunda crónica. Até lá, bons jogos!