14 de março de 2021

Pintando sobre tela

 

Canvas. Tela. Tela para pintar. Este é um jogo que me atraiu desde o momento em que foi lançado na plataforma de financiamento coletivo Kickstarter, a 21 de abril de 2020.

A beleza da caixa, o conceito original de criar quadros sobrepondo cartas transparentes, os materiais, a conceção gráfica, tudo me levava a querer saber mais. A informação disponível na página da campanha era apelativa, clara e organizada de forma elegante, em consonância com o jogo transparecia.

Apesar de ter apenas apoiado um jogo por esta via, e que está ainda por chegar, não demorei a decidir juntar-me ao projeto, optando pela edição base do jogo, sem extras como uns mini cavaletes para suportar e exibir as nossas criações.

E foi assim que passei a fazer parte dos mais de 16 000 apoiantes deste jogo, que se traduziram num valor angariado de 713 171 dólares, ou seja, de praticamente 600 000€! Data prevista de entrega do produto final: dezembro de 2020.

Apesar do ano estranho e difícil que se viveu, todo o processo de forma exemplar, com uma campanha muito bem gerida, informação disponibilizada atempadamente, interação constante, consideração de sugestões em fase final de desenvolvimento do jogo, por exemplo, quanto às variantes para jogar a solo, e a produção, na China. 

E nos primeiros meses deste ano Canvas chegava à Europa, e a Portugal. Parabéns aos criadores Jeffrey Chin e Andrew Nerger, ao artista Luan Huynh, e à editora Road to Infamy!




Em Canvas, somos pintores, criando telas, imaginando, combinando motivos, jogando com os fundos, os padrões, e a distribuição sobre a superfície. Temos de criar não uma, nem duas, nem muitas, mas, exatamente, três obras. Aí, o nosso trabalho acaba, e passamos a expetadores de quem ainda esteja de volta da tela, até todos terem três pinturas à sua frente.




Mas as criações não são feitas completamente à vontade de cada um. Haverá que ter em conta não só os motivos disponíveis em cada momento, que não poderemos apenas ir acumulando para usar mais tarde, mas também um princípio uniforme, a usar por todos os pintores e em todas as telas: cada uma terá de ser composta por quatro elementos, uma base e três camadas. Afinal, trata-se de um concurso de pintura, e os concursos têm regras!

As bases, apresentando padrões coloridos, constituirão o fundo da nossa pintura, em tons quentes ou frios, evocando a luz ou acolhendo as sombras, insinuando formas ou desformas. 

Cada camada, por sua vez, permitirá adicionar um ou mais motivos, colocando-os em realce ou sobrepondo-os. A escolha é variada, entre figuras humanas ou animais, paisagens ou objetos, reproduções da realidade ou coisas imaginadas.




Cada camada de pintura é representada por uma carta transparente, existindo sessenta no total, todas diferentes, sem qualquer repetição. Sessenta cartas para combinar em conjuntos de três, em que a ordem também importa, permitindo tapar ou evidenciar detalhes.

São muitas possibilidades, para quem quiser fazer o cálculo das combinações e permutações possíveis, mas julgo que a maioria dos pintores destas telas não se preocupará muito com estes números!




A parte inferior das camadas, já fora da zona de pintura propriamente dita, contém dois elementos adicionais: uma palavra e um conjunto de símbolos.

Palavras, sim, porque estas obras terão título! À medida que as camadas são sobrepostas, também as palavras se vão sobrepondo, ou justapondo. E, por isso, também aqui, a ordem por que se colocam as camadas terá o seu efeito no resultado final.

A tela com a figura feminina à chuva, junto ao candeeiro, intitula-se Wandering Warning, a queda de bolas incandescentes sobre a cidade, vista através da janela, tem a designação de Imminent Complexity, e a figura com uma máscara e uma teia de aranha em fundo, Masked Darkness.

Quanto aos símbolos, são elementos que se podem traduzir em pontos, interessando apenas aqueles que ficarem visíveis na obra final, não sendo considerados os que ficarem tapados.




Mas como é se obtêm as cartas transparentes para usar? Bem, é aqui que entra a esteira que vem com o jogo, o baralho das cartas, as paletes, e a competição com os outros pintores pela escolha dos motivos!

Estarão sempre disponíveis cinco cartas sobre a esteira. Em cada turno, um pintor tem a opção de obter uma única dessas cartas-camadas, ou de finalizar uma pintura, se já tiver material suficiente para o efeito. 

A carta mais à esquerda pode ser sempre obtida de forma gratuita, pelo que o pintor nunca ficará impedido de obter mais um motivo para a sua obra. Já para chegar a qualquer outra carta, é preciso recorrer à inspiração, simbolizada pelas paletes que cada um tem: é preciso colocar uma palete em cada carta que se pretenda ignorar, da esquerda para a direita, até atingir a carta pretendida. Assim, para obter a terceira carta é preciso usar duas paletes. Uma vez a carta retirada, as outras deslocam-se cobrindo o espaço vazio, e é revelada uma nova carta do baralho.

Se houver paletes na carta escolhida, ficam para nós, reforçando a nossa reserva de inspiração para voos futuros. Temos, pois, de gerir este pequeno mercado de inspiração e de motivos, ao alcance de todos os pintores. São paletas de escolhas.

Quando tivermos acumulado três cartas, poderemos optar entre continuar a obter outras, sempre uma por turno, ou completar uma pintura. Isso mesmo, assim de uma vez, em traço rápido! Quando decidimos pintar é para finalizar! Ou seja, não vamos criando as pinturas à medida que recolhemos as camadas. Ao invés, quando decidimos pintar, escolhemos um dos fundos ao nosso dispor, três camadas, e a ordem pela qual as colocamos sobre o fundo, ficando todo o conjunto organizado e protegido dentro de uma capa transparente.

Ora, o concurso de pintura tem de seguir o seu curso e é preciso começar a revelar as obras. Assim, não podemos ter mais do que cinco cartas-camadas na nossa mão. Quando atingirmos cinco, teremos, obrigatoriamente, de pintar no turno seguinte. Não é possível adiar à procura da obra perfeita! A exposição aguarda por nós.




Mas qual é o objetivo de tudo isto? Acredito que, para muitos pintores, o prazer da composição vai mesmo por ser o principal objetivo, pela estética, pelos conceitos implícitos ou explícitos, pelo jogo das palavras que dão título.

No entanto, em Canvas, o papel dos críticos, ou dos membros do júri, é representado por um conjunto de cartas objetivo, quatro das quais em uso em cada sessão. São elas que definem os critérios de apreciação, são elas que definem quais as combinações de símbolos que serão premiadas, uma vez concluída cada pintura.

É o exemplo da Simetria, que requer a presença de dois símbolos iguais em posições simétricas na faixa inferior da pintura.




No caso da Proximidade, é privilegiada a adjacência de círculos e de quadros, representando, respetivamente, intensidade e os padrões, o que acontece uma vez na tela Heavy Purpose, com o seu fundo a fazer lembrar corais, uma âncora à esquerda, criaturas marinhas no topo, e a figura humana sobre a escada, procurando alcançá-las.

O objetivo cumprido confere uma distinção roxa. No final do jogo, e como se tinha obtido uma outra distinção roxa noutro quadro, totaliza-se duas menções relacionadas com o objetivo Proximidade, o que se traduzirá em cinco pontos.




Depois, no final, é somar os pontos referentes às distinções alcançadas pelas três pinturas de cada um, e descobrir qual o pintor que melhor cumpriu os objetivos do concurso de pintura!

E o mais provável é que, logo a seguir, se inscrevam num novo concurso!




Este é Canvas, uma experiência para saborear em camadas, literalmente, sobrepondo cartas transparentes, e metaforicamente, jogando com as imagens, com as palavras que dão título às obras, e com a combinação de símbolos.

A cada um o que mais o divertir, num espírito que pode ser mais, ou menos, competitivo, neste jogo muito simples de aprender, que se joga em não mais do que trinta minutos, podendo reunir até cinco pintores à volta da mesa ou ser jogado em solitário, e que agradará a pessoas com diferentes gostos.

Para além do mais, Canvas vem com detalhes cuidados de conceção, como a possibilidade de se pendurar a caixa de jogo como um quadro, que de facto é, ou o uso de formas nos símbolos e pelas que creio se destinar a facilitar o uso por pessoas com dificuldade de perceção de cores. 

Se quiserem experimentar, podem aproveitar a versão pronta a imprimir, em acetato ou similar, disponível na página da campanha.

Boas pinturas!

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